Charles Baudelaire pede a Deus, em seu Spleen à uma hora da manhã, a graça de escrever versos que provem a si mesmo que não é o último dos homens, "inferior àqueles a quem desprezo." Ele então vivia ultrapassando salões hipócritas numa Paris que era um canteiro infernal de obras sob um governo autoritário.
No Brasil dos últimos anos, muitos de nós em semelhante contexto temos recorrido ao mesmo expediente para alcançar algum tipo de redenção. Trocamos apenas os versos por textões e lacrações diversas –em colunas de jornal, TV, vídeos ou redes sociais. Para alguns, calar-se não é opção. O resultado prático disso, no entanto, é que me parece controverso.
Em seu "Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano" (1969), Carlos Marighella escreve que "os intelectuais constituem a vanguarda da resistência aos atos arbitrários, às injustiças sociais e à inumanidade terrível da ditadura. Eles expandem a chamada revolucionária e tem uma grande influência na população."
Diante do fracasso evidente dessa estratégia, quando tenho a triste impressão de termos sempre apenas falado com convertidos, há de se questionar custos, benefícios –e alternativas.
Muitos perdemos amigos e trabalhos nos últimos três anos. Outros tantos acovardaram-se para não perder seus empregos ou boquinhas em torres de isenção e prudência –ou canalhice e falta de perspectiva histórica, a depender do leitor. Há também os "collabos" que prontamente alinharam-se aos editoriais dos patrões, agarrados como rêmoras aos tubarões moribundos que são os conglomerados da mídia brasileira hoje.
Valeu à pena? Creio que para nenhum de nós, em qualquer um dos lados. Os isentos se igualam aos amarelinhos golpistas, os militantes pela democracia, derrotados inúteis. Hoje esta é uma conta cujos fatores se anulam –o fracasso político dessa geração parece ser total. Os que soltaram fogos ontem são tão derrotados quanto os outros, que ainda acreditam na democracia brasileira. Não vão demorar para entender que estão no mesmo buraco.
A saída para o impasse é a rua, a primeira coisa que o leitor e eu pensamos. Não é simples assim. Principalmente se pensarmos que manifestações não alimentadas por grupelhos proto-fascistas e pela mídia (as micaretas golpistas) ou bancadas por movimentos sindicais e pelo PT e seus satélites (os comícios anacrônicos e personalistas disfarçados de passeata) são violentamente reprimidas pela PM desde 2013.
É o momento de dar um passo para trás, zerar o jogo e com ele as falsas dicotomias que se apresentam no tabuleiro arrasado. Pois esse golpe não foi contra o PT ou seu governo em especial, mas contra a democracia brasileira. O que caiu ontem é muito maior do que Dilma Rousseff e seu partido –que decidiu, aliás, manter suas alianças regionais com o conspirador PMDB em maio, apenas cinco dias depois do primeiro afastamento da presidente ter sido votado pelo senado.
Não é à toa que cito o Marighella: penso em guerrilha. E talvez a arma principal desse guerrilheiro urbano seja a informação. Seus métodos, não convencionais. Se for para ganhar a rua, usar os slogans e cores do inimigo, vestir verde-amarelo, carregar um pato gigante, confundir a PM. Para ganhar as redes e a mídia, infiltrar-se, atacar usando as armas do inimigo –a desinformação.
Em seu manual, Carlos Marighella escreve que "O guerrilheiro urbano não deve disparar continuamente, utilizando todas as suas munições. Pode ser que o inimigo não esteja disparando precisamente, e esteja esperando que as munições do guerrilheiro acabem. Em tal momento, sem ter tempo para recarregar suas munições, o guerrilheiro urbano enfrentará uma chuva de fogo inimigo e pode ser aprisionado ou morto."
Pois a hora me parece ser a de recolher as armas retóricas, admitir que estamos completamente perdidos e sem liderança –e refletir. Para depois recomeçar a ofensiva do contra-golpe com algum planejamento e inteligência, caso ainda nos reste alguma.