Ao contrário do que acreditam muitos de seus habitantes, especialmente os que se informam pelas colunas de fofoca dos folhetins locais e confundem o Projac com Atenas ou Hollywood, o balneário de São Sebastião não é o centro gravitacional do universo conhecido. Para além de suas fronteiras pouco iluminadas há o mundo, e também cidades um pouco mais parecidas com a capital de qualquer coisa.
No entanto, durante quatro dias do ano, todos os delírios de grandeza do carioca justificam-se. É quando nossa vocação para eterno baile de Ilha Fiscal manifesta-se de forma irresistível e o Rio de Janeiro ganha o protagonismo planetário tão sonhado. Regozijem-se cariocas: não há outro lugar para se estar durante o Carnaval. E não me venham com Salvador, Veneza, Olinda, Mindelo ou Nova Orleans –e muito menos São Paulo. É tudo muito simpático, mas nenhuma destas sociedades foi erguida sobre os mesmos valores de euforia e esculhambação que definem a festa e acompanham nossa gloriosa decadência desde Estácio de Sá. O Rio precisou existir para inventar o Carnaval de rua do Rio –único, central, e o maior de todos.
É como se um conjunto de circunstâncias que impossibilitam a convivência entre os homens de forma trágica se realinhasse com um resultado harmônico. Nossa falta de noção e caráter vira uma máquina perfeita de pura felicidade.
Vejo grávidas fantasiadas nos blocos sambando a desafiar pragas egípcias. O Boi Tolo está marchando até agora. Enquanto isso, publicações gringas estampam manchetes constrangedoras ao revelar espanto sobre o Carnaval à beira do precipício. O que parecem não entender é que, sim, é exatamente isso: nosso hedonismo sempre foi de guerra e dissolução. A iminência do desastre nunca estragou qualquer festa por aqui, dos salões da corte aos quilombos. Muito pelo contrário. É por ela que rebolamos até o meio-fio de fronteiras entre territórios ocupados, ameaçados, sitiados, em disputa permanente desde séculos antes da primeira UPP, quando portugueses corriam o risco de ser comidos no espeto por tupinambás canibais aliados de corsários franceses na praia do Flamengo –ao som da marcação de um surdo, talvez?
Hoje é terça-feira de Carnaval. Não é hora de passadismos. E eu quase já escrevia que a única saída para o Rio de Janeiro era fazer o Carnaval durar o ano todo, mas tampouco é hora de pensar no futuro. Como fazer planos pra depois da quarta-feira? Amanhã não existe. O Carnaval é justamente sobre flutuar no fio da navalha desse presente eterno, sem historicidade e projeto. Temos febre de agora. Só há o agora.