O turismo de massa é uma invenção recente na história da humanidade. E já tornou-se repetitivo. Pacotes voo-hotel-translado-passeio, selfies diante cartões-postais, guias com discursos ensaiados, dicas "imperdíveis" e comprinhas: já estamos fartos de tudo isso. E ainda há aquele clichê elitista sobre viajar "de verdade" ser diferente de fazer turismo que acaba sendo mais chato do que a tia ou a vó da agência. Três sugestões:
Turismo sincero - Requer um guia sem papas na língua. Ao chegar no cais do Valongo, recepcionando um grupo de japoneses de sombrinha e empresários do setor imobiliário convidados pelo prefeito, ele diria: "O Rio de Janeiro foi o maior entreposto do comércio de escravos do planeta Terra no século 19 –fala-se que chegamos a receber 1,8 milhão de africanos.
Mas a maior parte do centro histórico foi derrubada e não há grandes monumentos, museus ou memoriais a respeito. As escavações arqueológicas praticamente inexistem –mas quando há qualquer obra na região da Gamboa e do centro, sempre se acham corpos e ossos esmagados. Por acaso e, em tempos pré-olímpicos, sem grandes consequências. A cidade gasta milhões de dólares em museus extravagantes e decorativos sem dar a devida atenção a descobertas arqueológicas impressionantes sob qualquer ponto de vista. (No "The New York Times": nyti.ms/1fgwcU3 ) O fato é que a cidade maravilhosa cheia de ossadas mil foi construída sobre um gigantesco cemitério.
Vocês já viram o filme "Poltergeist?" Hoje em dia, os negros e pobres empurrados para as favelas e periferias seguem sendo torturados e assassinados pelas forças do Estado, em números que configuram genocídio segundo instituições como a Anistia Internacional.
Um lembrete: as origens da PM carioca remontam ao império e ela foi fundada em 1809 com o principal objetivo de oprimir, torturar, caçar e matar negros. Alguma dúvida?
Bem, agora vamos ali de teleférico visitar a sede da UPP do morro da Providência, a primeira favela do Brasil. Alguém aqui já ouviu falar na Guerra de Canudos?"
Turismo doméstico - À moda do francês Xavier de Maistre que, em "Viagem à Roda do Meu Quarto" (1794), apresenta um sistema para viajar 42 dias sem sair de casa. Primeiro meça o perímetro do seu quarto em passos, caminhando junto as paredes. Depois, explore com liberdade suas gavetas, roupas, álbuns de retratos e cadernos de anotações como um arqueólogo de si mesmo.
E parta para reinaugurar significados em objetos aparentemente banais, como a cama, a poltrona e a mesa de cabeceira. O que cada móvel tem a oferecer em lembrança e esquecimento? O que somos além desse acúmulo de passado? Mais de um século antes de Freud, a viagem que Maistre propõe é para dentro de si -do outro que há em nós. E é de graça.
Turismo austeridade - Um sonho: viajar sem qualquer peso além do que carregamos naturalmente nos ombros. Apenas com passaporte, celular e carteira nos bolsos. Roupa do corpo que será posta fora (ou limpa na pia em dias de sol) assim que ficar suja. Comprar cuecas e escovas de dente em cada cidade. Recomendo fazer com passagem de volta aberta, sem reserva de hotel, mapinha, guia ou planejamento. É a volta do turismo moleque contra o turismo de resultados.