"A primeira coisa que vem à cabeça era sua velocidade natural, suas voltas de classificação na Lotus, um dia depois do outro, uma semana depois da outra, sempre pole position. Outros não conseguiriam a pole com aquele carro. Ele é que levava o carro à pole. E fazia isso o tempo todo, no último segundo do treino classificatório, com incrível força mental, de um jeito inacreditável."
Berger fala animadamente, com brilho nos olhos, com paixão.
Seu depoimento é um dos muitos que engradecem "Ayrton - Retratos e Memórias", série jornalística em 10 capítulos que estreia neste sábado, às 23h30, no Canal Brasil, com reprises nos dias seguintes.
Trata-se de mais um trabalho primoroso do mais competente biógrafo do tricampeão, o jornalista Ernesto Rodrigues.
Quando saiu a campo para produzir as quatro grandes reportagens que o "Esporte Espetacular" exibiu no ano passado, na efeméride de 20 anos da morte do piloto, Ernesto já tinha em mente um produto ainda maior, menos restrito ao campo esportivo, mais biográfico.
"Ayrton - Retratos e Memórias" vai fundo na personalidade controversa de Senna. Não o mitifica, não o endeusa. Faz o que o jornalismo tem de fazer: mostra a verdade.
Como quando Lauda relata uma discussão com Senna por ele ter deliberadamente atrapalhado uma volta sua em Mônaco —e já que não existe campeão bonzinho, o austríaco deu o troco depois, o que é contado de forma engraçadíssima.
Ou como quando Warwick fala do veto do brasileiro à sua contratação pela Lotus, em 86.
"Ayrton tinha um patrocínio forte e fez muita pressão para se livrar de mim. Acho que ele não imaginou o impacto que aquilo teve na minha vida. Não achou que estava me ferindo, destruindo minha carreira. Ele só pensava no melhor pra ele."
A organização em tópicos, ou "retratos", permitiu aos editores unir muita gente boa falando sobre um mesmo assunto, às vezes oferecendo até visões opostas.
Terry Fullerton, a quem Senna se refere no documentário de Asif Kapadia como o "maior adversário que já teve", aparece no primeiro episódio contando como batia o brasileiro no kart naqueles finais de anos 70.
E em "Legado", o episódio final, os acontecimentos daquele 1º de maio de 1994 e suas consequências são tratados por jornalistas como Reginaldo Leme, Flavio Gomes, Nigel Roebuck e Giorgio Piola e por ex-pilotos de F-1 como Emerson, Watson, Berger, Barrichello e Brundle.
Sem histeria, sem demagogia, sem chororô.
Na inexistência de uma resposta final, todas as hipóteses são colocadas à mesa para que o espectador tire suas conclusões.
O site do Canal Brasil tem informações sobre os horários de exibição.
O bom jornalismo ainda está vivo. Que bom.