Folha de S. Paulo


Casa portuguesa

Passava pouco das 10h30 da última segunda-feira. Carro estacionado atrás da bancada A. Era hora de matar uma curiosidade de anos, de ver aquele lugar com meus próprios olhos.

Nostálgico do que nunca vivi, era o momento de matar a saudade.

Cobri meu primeiro GP em 1997. E por anos, tive de aturar os colegas jornalistas dizendo que eu havia perdido a melhor das corridas. Não só pelo circuito, mas também pelos arredores: o cassino, a vizinha Cascais, os bares, restaurantes e vielas cheias de agito.

Circuito Estoril. Casa do GP português entre 1984 e 1996. Local da primeira vitória de Senna, em 1985. Por isso (mas não só por isso) parte importante da história do Brasil na F-1.

Foi de Piquet a pole inaugural do autódromo luso. O compatriota-rival largou na frente outras três vezes. E era lá, principal base de várias e várias pré-temporadas, que muita coisa acontecia, negócios eram fechados, novidades eram divulgadas.

Foi lá, por exemplo, que Senna foi apresentado pela Williams, no início de 1994. A enorme maioria dos jornalistas que acompanhavam a categoria foi para lá. Um dia marcante.

Na segunda pela manhã, Estoril vivia o silêncio. O vento frio era cortante. Um cartaz na vitrine de uma loja fechada era a única dica para acessar o miolo do circuito.

Precisei empurrar uma pesada porta de ferro, acender a luz, atravessar o longo túnel. Só escutava os sons dos meus passos. Empurrei mais uma porta. Cheguei.

À primeira vista, não deu para não lembrar daquela vitória de 1985. A Lotus preta, o capacete amarelo, rasgando a reta no meio de chuva forte.

Uma volta pelo local. A pista continua ótima. Subidas e descidas em meio a um cenário belíssimo. São 33 boxes, mais do que o suficiente para a F-1 atual. Também há espaço para os motorhomes da categoria e suas satélites, GP2 e GP3. As áreas de escape estão bem cuidadas, o centro de imprensa é mais do que suficiente.

Estoril poderia receber a F-1? Na visão deste colunista sobre o que deveria ser a categoria, sim. Na opinião de quem manda no negócio e faz do esporte algo megalomaníaco, não.

Falta espaço para hospitality centers. Falta algum prédio suntuoso. Falta a ostentação que sobra em circuitos insossos como Xangai, Sepang e Abu Dhabi. Falta o dinheiro que esses promotores pagam a Ecclestone.

Não, Estoril não vai voltar. Mas resta o conforto de saber que o circuito continua lá, recebendo categorias menores e eventos de montadoras.

Na saída, passei pela administração. Comprei um adesivo: 2,50 euros, cerca de R$ 8.

Preciso pensar num lugar especial para colá-lo.


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