Três náufragos: um físico, um químico e um economista. Isolados numa ilha deserta, estão à míngua de víveres. Depois de horas à cata de alimento, eis que surge uma lata de feijões trazida pela maré. De posse do inesperado tesouro, passam a debater sobre como abrir a lata.
Primeiro, o físico: "Que tal arremessar a lata sobre uma rocha pontiaguda; o impacto será suficiente para rasgar o metal". "Tolice", objetou o economista, "isso fará com que os feijões se espalhem na areia e fiquem incomestíveis".
"Tenho melhor ideia", prontificou-se o químico. "Sugiro deixar a lata imersa na água até que o sal torne o metal maleável e possamos abri-la sem dificuldade". "Sem chance", fulmina o economista, "se formos esperar por isso morremos de fome".
"Ok", assentiram os dois, "mas, e você, o que propõe?" "Nada mais simples", responde com olímpica serenidade o economista: "Suponha, primeiro, a existência de um abridor de latas...".
Em palestras e debates pelo Brasil afora (11 eventos em oito cidades desde a reeleição de Dilma), tenho recorrido a esta pequena blague sempre que sou cobrado a fazer previsões firmes sobre crescimento, juros e câmbio em 2015. Se a ansiedade do público beira o paroxismo, as bases para qualquer prognóstico raras vezes foram tão frágeis.
Pensar é saber tornar as coisas mais simples do que são. A economia é um sistema de alta complexidade. Todo modelo e previsão econômica assentam em premissas iniciais. A principal delas –o grande abridor de latas do economista– é a cláusula "ceteris paribus": a suposição de que tudo mais permanecerá inalterado.
Na prática, sabemos, nunca é o caso; mas em condições normais de tempo e pressão o prejuízo da inevitável simplificação é tolerável: a relativa estabilidade do macroambiente autoriza algum grau de confiança nas previsões feitas com recurso ao abridor de latas. O problema surge quando o rol de incertezas no horizonte se adensa e um bando de cisnes negros ameaça revoar a qualquer instante.
Do risco de racionamento de água e energia à bomba-relógio do petrolão; da piora dos termos de troca ao aumento do juro americano; da perda do "grau de investimento" à restrição de financiamento externo, o leque de incertezas é vasto e atiça o desânimo do empresariado.
O que mais preocupa, contudo, é o fato de que o governo Dilma não só nasce fraco e acuado na política, como emite sinais de que permanece em estado de negação na economia. A institucionalização da irresponsabilidade fiscal na adulteração, ao final do exercício, da LDO vigente é digna do verso de Ovídio: "Eu vejo melhor caminho e eu o aprovo, mas sigo pelo pior".