Coisa mais difícil é ser mulher. Não bastassem as surpresas que a fisiologia lhes impõe, as sociedades criam regras para cercear-lhes a liberdade de ir e vir e padrões rígidos de comportamento e moralidade que não se aplicam aos homens.
De todas as imposições sociais, a mais odiosa é a apropriação indébita do corpo feminino.
Não é por outra razão que cidadãos de mais de 20 países se dão o direito de mutilar os genitais de suas filhas, na mais tenra idade. São cirurgias cruentas, sem anestésicos nem assepsia, a que o mundo assiste em silêncio acovardado, em nome do respeito às "tradições culturais".
Nós, que nos intitulamos "civilizados", não chegamos a esse nível de barbárie, no entanto, repreendemos a menina de dois anos quando leva a mão ao sexo ou senta com as pernas abertas.
Na piscina de um condomínio de classe média alta, em Cleveland, nos Estados Unidos, minha filha foi admoestada pela encarregada da segurança por deixar minha neta sem a parte de cima do biquíni. O argumento? Provocar os homens presentes. Uma criança de cinco anos?
Na puberdade, com o cérebro inundado pela testosterona, jamais alguém ousou sugerir que minha iniciação sexual levasse em conta o amor, sentimento que mães e pais que se consideram avançados exigem das adolescentes. Sexo casual exalta a condição masculina, enquanto mancha a reputação da mulher. Não é preciso graduação em filosofia pura para expor o paradoxo.
Aos 12 ou 13 anos, idades em que o corpo ensaia com graça os primeiros passos em direção da mulher adulta, os interesses da indústria e da publicidade sexualizam com minishorts e camisetas decotadas, o modo de vestir das meninas.
Quando saem às ruas com as roupas da moda exibidas na TV e nas revistas, elas são acusadas de provocadoras, portanto sujeitas às grosserias e ao risco de se torarem vítimas dos instintos masculinos mais bestiais.
Ao ficar adultas, são forçadas a atender a um padrão estético que privilegia a magreza doentia das top models. Sem levar em conta os caprichos da genética, a mulher moderna deve ser magra, sobretudo. A exigência de exibir a ossatura acaba por lhes distorcer a autoimagem. Passam a implicar com o pequeno acúmulo de gordura, com rugas insignificantes e com celulites só visíveis em posições acrobáticas sob o foco de luz.
No passado, demonstrar interesse por uma mulher era elogiar sua beleza; hoje, dizer que está mais magra é meio caminho andado.
Nós, homens, somos complacentes com a autoimagem. O sujeito com 20 quilos a mais sai do banho enrolado na toalha, para na frente do espelho, bate no abdômen avantajado e se vangloria: "tô simpático, tô bonitão". Está para nascer mulher com tamanha autoconfiança.
Mas é na gravidez que fica demonstrada a superioridade fisiológica do organismo feminino.
Produzem apenas um óvulo, enquanto nos obrigam a ejacular 300 milhões de espermatozoides, para que se deem ao luxo de escolher o mais apto. Daí em diante, por conta própria, constroem uma criança de três quilos, sem qualquer participação masculina.
Na gravidez nosso papel é tão desprezível que precisamos fazer exame de DNA para comprovar a paternidade.
Apesar da irrelevância, no entanto, nós é que aprovamos as leis que as consideram criminosas em caso de abortamento provocado. O sofrimento e as mortes das jovens submetidas a procedimentos realizados nas condições mais desumanas que possamos imaginar não nos sensibiliza.
Depois de passar décadas espremidas em trajes incômodos e de andar mal equilibradas em saltos de um palmo de altura, só lhes restam duas saídas: a cirurgia plástica ou o suicídio, providências nem sempre excludentes. Antes operar o rosto, aspirar a gordura abdominal ou partir deste mundo do que envelhecer.
Às que ficam mais velhas não sobram alternativas: se deixam os cabelos embranquecer são rotuladas de velhas, se decidem pintá-los de preto ficam com cara de senhoras, se os tingem de loiro são xingadas de exibidas. Se vestem roupas em tons discretos são antiquadas, se acompanham a moda das mais jovens são ridículas, sem noção.
As leitoras que me perdoem, mas na próxima encarnação prefiro nascer homem, outra vez.