Folha de S. Paulo


Censura

RIO DE JANEIRO - Dois fatos da semana passada nos fazem lembrar que a censura está sempre à espreita, aguardando uma brecha para se insinuar.
Primeiro: a TV Globo decidiu eliminar da trama da novela "Insensato Coração" todas as referências ao relacionamento de um casal gay.
O namoro entre os personagens Hugo e Eduardo vinha sendo conduzido pelos autores Gilberto Braga e Ricardo Linhares de forma a discutir a questão da homofobia sem cenas apelativas.
Em tempos nos quais pai e filho são agredidos por se abraçarem em público, sob suspeita de serem homossexuais, como aconteceu no interior de São Paulo, o relacionamento equilibrado, amoroso, de um casal gay é censurado.
Os personagens gays estereotipados, aqueles das piadas, estes são mantidos.
Segundo: uma liminar concedida na sexta pela Justiça do Rio, a pedido do DEM do Rio, proibiu uma sessão de "A Serbian Film - Terror sem Limites" que seria exibido sábado em um festival de cinema.
O filme é polêmico. Tem cenas de violência sexual e pedofilia e foi proibido em vários países europeus. Em outros, foi liberado após o corte de vários trechos.
O DEM argumenta que o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe a exibição de cenas de exploração sexual de menores.
Mas o artigo 220 da Constituição Federal estabelece que "é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística".
É um bom imbróglio jurídico. O que deve prevalecer?
Sem dúvida, temos que proteger crianças e adolescentes. Mas compensa proibir a sessão única de um filme, que tinha ingressos sobrando e que já havia sido exibido em Porto Alegre e São Luís, ou isso só aumentará o interesse por seu teor?
Ou incentivará o apetite por brechas nas quais a censura poderá se insinuar?


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