Folha de S. Paulo


A primeira pedra

RIO DE JANEIRO - O pesadelo de todo pai se tornou realidade na madrugada de terça-feira passada para duas famílias cariocas: o toque do telefone, trazendo a notícia que não se quer ouvir.
Na casa da atriz Cissa Guimarães, a dor indescritível de descobrir que o filho caçula, 18 anos, está em estado grave em um hospital, atropelado por um carro que seguia em alta velocidade por uma via interditada.
Na casa do empresário Roberto Bussamra, o pavor de ouvir do outro lado da linha a voz do filho pedindo ajuda, pois se envolveu em um acidente e está com policiais que querem "conversar" com ele.
Não pretendo escrever sobre a dor de Cissa. Nem toda nossa solidariedade, nosso amparo e nossas lágrimas podem consolá-la.
Penso no pânico do pai, no desespero daquela viagem da Barra da Tijuca até uma rua àquela hora deserta do Jardim Botânico.
Imagino a sensação de impotência ao ouvir dos policiais militares, sob ameaças nem tão veladas assim, quanto custaria o "serviço" feito: R$ 10 mil.
Na "tabela" da corrupção dos policiais de plantão nos arredores do túnel interditado, esse é o preço para desmontar a cena do crime, não registrar a ocorrência e livrar seu filho de acusações que poderiam lhe render uma condenação e, horror dos horrores, quem sabe até mesmo uma temporada na cadeia.
Roberto Bussamra concordou em pagar a conta. Na linguagem jurídica, foi o agente ativo de um crime de corrupção. A pena, diz o Código Penal, vai de dois a 12 anos de reclusão.
Longe de mim defender o gesto daquele pai. Longe de mim concordar com sua decisão de levar o carro para a oficina, no dia seguinte, e pedir rapidez no conserto.
Mas muitas vezes tomamos decisões erradas. Qual pai, qual mãe, saberia o que fazer no meio desse pesadelo? Atire a primeira pedra...


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