Folha de S. Paulo


Os amores de Suzane

Em outubro de 2002, Suzane von Richthofen, 19 anos na época, assassinou seus pais. O namorado da moça, Daniel Cravinhos, e o irmão dele massacraram o casal a golpes de barra de ferro, enquanto Suzane, ao que parece, permanecia na sala, tapando os ouvidos.

Suzane von Richthofen foi condenada a 38 anos e seis meses de reclusão. E seus cúmplices, a penas parecidas. Em 2013, Daniel e Cristian Cravinhos começaram a usar seu direito de regime semiaberto (no qual é possível sair de dia para trabalhar). Em agosto de 2014, Suzane obteve o mesmo direito. Mas, para beneficiar-se dele, Suzane deveria mudar de presídio (o de Tremembé, onde ela está, só recebe presas em regime fechado). Suzane pediu para permanecer em regime fechado.

Há várias razões possíveis para esse pedido, entre as quais o medo de ser hostilizada num novo estabelecimento penal e no mundo externo –matar os pais não é bem-visto, nem nas ruas nem nos presídios.

Mais uma razão é que, recentemente, Suzane se juntou, em união estável, com outra presidiária, com a qual ela convive, numa cela reservada aos casais. Para se beneficiar do regime semiaberto, deixando Tremembé, ela seria separada de sua companheira.

Talvez Suzane tenha medo de sair de um lugar onde ela organizou uma vida possível. Talvez ela queira o regime fechado para se punir de um crime que ela não se perdoa.

Mas é também possível que ela esteja renunciando a recuperar uma boa parte de sua liberdade pela razão que disse: por não querer ser separada de sua companheira.

Aposto nessa hipótese. Afinal, por que Suzane von Richthofen, aos 19 anos, assassinou seus pais? Talvez Suzane e Daniel pensassem que, com a herança dos von Richthofen, eles viveriam felizes para sempre. Mas, antes disso, havia o fato de que o pai de Suzane (com toda razão) não aceitava o namoro dela com Daniel. E os namorados queriam ficar juntos, o tempo inteiro. Em suma, sei que é difícil de ouvir, mas é provável que Suzane tenha assassinado seus pais"¦ por amor.

Não sei se agir por amor significa reconhecer a importância de um sentimento (mais ou menos nobre) ou deixar que um ideal literário oriente a nossa vida.

Mas uma coisa é certa: seríamos menos indulgentes com o amor se ele não tivesse se tornado (na literatura) o porta-voz da liberdade do indivíduo moderno: em tese, é na hora de amar que deveríamos nos libertar de tudo que nos prende (diferenças de classe e cultura, vontade adversa de pais e de amigos etc.).

Suzane e Daniel são primos de Romeu e Julieta. Não se indigne. Só pense: a gente torce pelo famoso casal de adolescentes de Verona, e seu fim infeliz comove leitores e espectadores há quatro séculos. Mas até onde vai nossa torcida?

Imagine que Julieta, cansada da oposição de sua família, pedisse a Romeu matar os pais dela, Capuletos, para ela poder ser livre de viver seu amor. Na mesma noite, quem sabe Julieta ajudasse Romeu a matar os pais dele, Montecchios. Você pararia de torcer por eles?

É o lado gentil do amor: é permitido se deixar morrer de amor ou se suicidar por amor, já matar por amor não é bem-visto.

Voltando ao que mais importa, um conselho: na hora das grandes decisões de sua vida, tente não se orientar pelo amor. Ou, então, faça-o com ironia, ou seja, sabendo que o amor é apenas um bom pretexto para você inventar sua liberdade.

Um pouco de humildade: não me considero acima da tragédia e da estultícia do amor. Aos 14 ou 15 anos, decidi que "meu futuro" (como diziam meus pais) era sem relevância. Só me importava a paixão que sentia por uma moça que eu tinha encontrado em Londres. E para lá eu fugi. Fiquei um ano.

No fim desse ano, a moça voltou para o país dela –para cuidar de seu futuro, justamente: ela escutava seus pais mais do que ela me amava. Ao ir embora, ela sequer levantou a possibilidade de que eu a acompanhasse. Voltei ao meu país e retomei o caminho do "meu futuro".

Mas, repetidamente, ao longo das décadas, embora não goste de admitir isso, tomei decisões cruciais por razões amorosas. Mudei de país e de língua. Me afastei de meus pais. Tudo isso por amores sucessivos –supostamente.

Enquanto escrevo, recebo o livro "O Culpado de Tudo "" Ou, Simplesmente, o Amor", de Jarbas Luiz dos Santos (Manole). O ensaio talvez seja menos crítico do amor do que seu título; mesmo assim, espero me divertir.


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