Folha de S. Paulo


A esquerda perderá mais um governo

A esquerda perde, neste domingo (19), mais uma eleição, desta vez no Chile. Começa a perder, na verdade, porque dificilmente Sebastián Piñera, o candidato da direita, terá a maioria absoluta dos votos, o que levará a um segundo turno, em dezembro.

Está se tornando uma tendência universal. A social democracia, principal expressão da esquerda na Europa, quase sumiu na França: o Partido Socialista caiu de 280 para 29 deputados na Assembleia Nacional.

Na Alemanha, o SPD perdeu 40 cadeiras e cinco pontos percentuais na comparação com o pleito anterior. Na Áustria, o SPÖ teve praticamente a porcentagem de votos da extrema direita (26,9% a 26%).

Na Holanda, o PS foi o quarto colocado (9,1% dos votos). Na República Tcheca, os socialistas caíram de 20,5% para 7,3%.

Na América Latina, a direita já ganhara as eleições mais recentes na Argentina e no Peru. Agora, é a vez do Chile. Não vale incluir o Brasil nessa guinada à direita: não houve uma eleição, único instrumento legítimo para medir os humores da sociedade, para que a esquerdista Dilma Rousseff fosse substituída pelo direitista Michel Temer.

Seja como for, o fato é que o poder está nas mãos da direita em três dos principais países da América do Sul e, logo, estará também no Chile, se confirmado o triunfo de Piñera.

Cabe acrescentar até o Equador, em que a Alianza País, do ex-presidente Rafael Correa (esquerda), ganhou a eleição, mas o novo presidente, Lenín Moreno, rompeu com o antecessor e inclinou-se ao centro, para não dizer à direita.

O que está levando a esquerda a sucessivos retrocessos eleitorais?

A resposta depende, como é óbvio, de uma pesquisa aprofundada e demorada e dificilmente caberia no espaço de uma coluna.

Por isso, cito apenas algumas observações: primeiro (valendo sobretudo para a Europa), a social-democracia correu para o centro e, com isso, confundiu-se com a direita ou até se uniu a ela. Na Alemanha e na Áustria, por exemplo, os partidos social-democratas governaram em coalizão com os conservadores. Acabaram vampirizados por estes.

O raciocínio lógico do eleitorado seria algo assim: entre o original e a cópia, é melhor votar no original, ou seja, na direita.

Na América Latina, o que parece estar ocorrendo é um certo cansaço com o intervencionismo do Estado, marca registrada dos populismos (de direita ou de esquerda).

No Peru, por exemplo, foi a reação ao populismo do clã Fujimori que permitiu a vitória de Pedro Pablo Kuczynski.

Esse cansaço também é uma razoável explicação para as duas vitórias do presidente Mauricio Macri na Argentina (na presidencial, no fim de 2015, e na recente renovação parcial do Parlamento).

O Chile que vota hoje é um caso à parte: o eleitorado primeiro trocou Michelle Bachelet por Piñera, depois Piñera por Bachelet e, agora, de novo Bachelet por Piñera. Não surgiram novidades sólidas, como Macri e Kuczynki, que quebrassem o rodízio entre figuras clássicas do establishment.

No atual estágio, o Brasil parece mais próximo do cenário chileno, mas é cedo para previsões sólidas.


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