Folha de S. Paulo


Vamos conversar?

Um aviso inicial: o Ministério do Realismo Político avisa que esta coluna não precisa ser lida pelos possuídos de um lado e de outro.

Trata-se de um formidável exercício de ingenuidade, mas que atende a uma conclamação do ministro Edinho Silva em favor do diálogo, antes que surja um cadáver.

Agora, aos fatos.

Em fevereiro, participei, por indicação do governo brasileiro, de reunião do chamado Grupo de Amigos do Processo de Paz na Colômbia.

Processo que teve a conclusão adiada para data ainda indeterminada (deveria ter terminado no dia 23 de março). O adiamento não significa um fracasso: "Não tenho dúvidas de que passamos do ponto sem volta", diz, por exemplo, Luiz Mayra, que funciona como embaixador do Chile para as negociações de paz em curso em Cuba.

Tem, portanto, todas as informações à mão para ser tão afirmativo.

A paz na Colômbia não é assunto meramente interno. "Beneficia o conjunto da América Latina e, como o Brasil tem um engajamento tão forte na América Latina e faz da América do Sul sua prioridade política, beneficia o Brasil", constata Marco Aurélio Garcia, há 13 anos e três meses como assessor internacional da Presidência brasileira.

Festeja também o embaixador Paulo Estivallet de Mesquita, responsável por América do Sul no Itamaraty: "Significa trazer de volta a Colômbia à tradição de paz que temos na região".

Em determinado momento da reunião do grupo de amigos do processo, ousei fazer uma brincadeira: sugeri criar um grupo de amigos de um processo de paz para o Brasil, retoricamente conflagrado.

De lá para cá, minha sugestão tornou-se ainda mais necessária, ante a tremenda belicosidade que tomou conta do panorama político.

Se a Colômbia pode encaminhar um entendimento entre o governo e sua oposição armada, no Brasil teoricamente deveria ser mais fácil.

Afinal, como lembrou Luiz Mayra, "a Colômbia é atravessada pela violência desde as suas origens".

Da independência, nos primórdios do século 19, até a primeira Constituição, em 1886, houve de 38 a 52 conflitos armados, conforme a maneira de fazer as contas.

O conflito atual começa a rigor em 1948 e nos seus quase 70 anos produziu 220 mil mortes.

O Brasil, ao contrário, teve poucos e efêmeros conflitos armados, tanto antes como depois da independência. Não concordo que seja um país cordial, ao contrário do que pregam alguns, mas a violência propriamente política é relativamente reduzida.

Se os grupos adversários em um conflito com 220 mil mortes podem agora se encaminhar para "um tempo de política e não de guerra", como chegou a dizer Hugo Chávez, um dos patrocinadores do diálogo, não há razão para que o Brasil não inicie um tempo de diálogo. É afinal a quintessência da política.

O que falta? Lideranças.

Pessoas que entendam que, mesmo que Dilma seja afastada, o PT não será erradicado da vida política, e que, mesmo que Dilma fique, não conseguirá governar.

É melhor ser ingênuo do que dar murro em ponta de faca.


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