Folha de S. Paulo

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O inimigo imagin�rio

Quando eu fazia faculdade no Cear�, tinha uma amiga, mais velha do que eu, que era comunista e, durante a ditadura, havia tomado gosto por queimar bandeiras dos EUA no movimento estudantil de Juazeiro do Norte. Para ela, Washington era a corporifica��o do mal imperialista. Nada era pior.

Ignor�ncia atrai ignor�ncia, e a contrapartida desse estere�tipo seria a ideia de que toda a Am�rica Latina � aquela coisa "hispanohablante", indistinta, com um toque de Amaz�nia e uma pitada de Carmen Miranda.

No imagin�rio gringo, as �nicas singularidades seriam, talvez, Cuba e M�xico.

O M�xico remete � quest�o da imigra��o ilegal. A presen�a mexicana nos EUA � ub�qua: 11% da popula��o t�m origem naquele pa�s. Cuba, por sua vez, ainda � identificada como s�mbolo da "amea�a comunista", no melhor esp�rito da Guerra Fria.

Alguns dos congressistas mais atuantes na formula��o da pol�tica para a Am�rica Latina s�o cubano-americanos e t�m vincula��o familiar direta com a luta anticastrista. O mesmo ocorre nos think-tanks, e � raro ver uma an�lise sobre a regi�o isenta desse vi�s em que uma ilha empobrecida, submetida a embargo, � apresentada como amea�a � maior pot�ncia militar do planeta.

Essa vis�o simplista e hiperb�lica de Cuba pode atender a interesses paroquiais na Fl�rida, mas constituiu um irritante e tornou toda a pol�tica de Washington para a regi�o ref�m de um tema imagin�rio.

No come�o da semana, o presidente Obama, no discurso sobre o Estado da Uni�o, pediu ao Congresso o fim do embargo a Cuba. Na quinta, os dois pa�ses iniciaram conversas para reabrir embaixadas.

� �timo que Obama tenha chamado seu pa�s � realidade e, finalmente, apresentado Cuba como o que de fato �: uma oportunidade perdida por conta de uma paranoia que n�o se justifica mais.

A imprensa e os empres�rios concordam com a reaproxima��o e j� come�aram a pressionar. Os jovens cubano-americanos tamb�m: 88% apoiam a normaliza��o das rela��es. Na gera��o anterior, 80% eram contra. O fim do embargo � uma quest�o de tempo.

Em breve, o medo da "amea�a castrista" deixar� de existir. A aproxima��o com Cuba tornar� a imagem dos latino-americanos mais realista e menos contaminada por preconceitos. Tamb�m desinflamar� a rela��o com a regi�o e desautorizar� a ret�rica antiamericana de alguns governos latino-americanos. Coloca a rela��o dos EUA com a Am�rica Latina sob nova perspectiva.

Isso � bom para o Brasil, e o momento parece prop�cio para uma aproxima��o com os EUA. Temos um ministro das Rela��es Exteriores que conhece o ambiente de Washington, onde foi embaixador, e a presidente, ao que tudo indica, far� visita oficial aos EUA neste ano.

Somos as duas grandes democracias multirraciais no continente.

Dividimos a mesma cultura ocidental. Temos muita coisa em comum. � tempo de abandonar preconceitos e explorar melhor o potencial de tudo o que nos aproxima. Todo mundo vai ganhar com isso. A �poca de queimar bandeiras j� passou.


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