Folha de S. Paulo


Técnica faz fígado durar mais tempo antes de transplante

Usando um coquetel especial de substâncias e aparelhos modernos, pesquisadores nos EUA conseguiram ampliar um bocado a vida útil de fígados para transplante. Três dias após a obtenção dos órgãos de ratos, outros roedores os receberam, e todos os animais sobreviveram.

Se o protocolo desenvolvido pela equipe do Hospital Geral de Massachusetts puder ser aplicado em seres humanos, o avanço na tentativa de diminuir a escassez de órgãos para transplante será significativo, uma vez que o tempo máximo entre a retirada do órgão e o transplante hoje é de cerca de 12 horas.

Editoria de arte/Folhapress

O estudo, coordenado por Korkut Uygun, cientista nascido na Turquia, será publicado na revista científica "Nature Medicine". Na verdade, a equipe conseguiu sucesso parcial até com transplantes feitos após quatro dias de preservação dos fígados: nesses casos, pouco mais da metade dos roedores transplantados sobreviveu.

No protocolo, Uygun e companhia usaram duas substâncias, uma para preservar a camada externa do órgão e outra que protegeu o interior das células do fígado. Antes do transplante, os fígados passaram um tempo numa máquina de perfusão (usada para manter a circulação sanguínea e transferir o coquetel de substâncias) e foram cuidadosamente resfriados, num processo conhecido como "supercooling", ou super-resfriamento.

ANFÍBIO
Por estranho que pareça, uma das inspirações cruciais para o sucesso do trabalho foi o metabolismo de uma espécie de rã das florestas canadenses, a Rana sylvatica. Elas produzem altas quantidades de glicose (açúcar) em suas células, o que lhes dá tolerância ao congelamento.

"Acredita-se que a substância ajude a estabilizar as membranas dentro e fora das células", explica Uygun.

"Essas rãs conseguem aumentar seus níveis de glicose intracelular, enquanto os humanos e muitas outras espécies não conseguem. Usamos um derivado de glicose que se acumula nas células de mamíferos, mas não é metabolizado ["digerido" pela célula], e que parece trazer benefícios parecidos."

Outro ponto importantíssimo é o próprio processo de super-resfriamento, que permitiu que os fígados dos roedores ficassem numa temperatura de 6 graus Celsius negativos sem congelarem como um pedaço de carne no freezer.

Harvard University/Divulgação
Fígado de rato recebe uma solução em um sisema de bombeamento antes de passar pelo
Fígado de rato recebe uma solução em um sisema de bombeamento antes de passar pelo "supercongelamento"

Uygun lembra que o processo da transformação da água líquida em gelo não é algo uniforme, que termina de vez quando se atinge 0 grau Celsius. "Em outras palavras, a formação de gelo é um processo semialeatório, que pode ser evitada, até certo ponto, com algum cuidado", diz ele. Com a ajuda de certos aditivos químicos e a diminuição lenta da temperatura, a uma taxa controlada, o feito se tornou possível.
Apesar dos bons resultados, os pesquisadores deixam claro que há uma série de desafios antes que a técnica seja aplicada em pessoas.

As principais dúvidas têm a ver com a diferença de tamanho entre os fígados de roedores e os de humanos.

Em órgãos maiores, há muito mais líquido que deverá passar pelo processo de super-resfriamento, o que aumenta a probabilidade de formação de cristais de gelo e de danos ao órgão, por exemplo. Por isso, o próximo passo será testar a técnica em animais de laboratório que sejam de maior porte.


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