Folha de S. Paulo


A cruzada de Cruz

O senador Ted Cruz, do Texas, tem história.

O pai, Rafael, lutava ao lado de Fidel Castro quando foi preso e espancado pelas tropas do ditador Fulgêncio Batista. Estava coberto de sangue e sem muitos dos seus dentes quando foi encontrado e solto pelo pai, o avô do senador. Matriculou- se por correspondência na Universidade do Texas, conseguiu visto do consulado e saiu de Cuba graças a um agente subornável.

Chegou ao Texas com 18 anos, sem inglês e com uma nota de US$ 100 costurada na cueca.

Para pagar os estudos e as contas, lavava pratos sete dias por semana por US$ 0,50 a hora. Diplomado, levou a família para Calgary, no Canadá, onde nasceu o filho Ted. Voltou para o Texas, abriu uma empresa de exploração de gás e petróleo e faliu. Recomeçou mas nunca enriqueceu.

Ted Cruz tem talento.

Estudou em duas das melhores universidades americanas, Princeton e Harvard, e saiu advogado. Nomeado procurador do Texas, aos 32 anos defendeu seu primeiro caso no Supremo. Ao todo foram nove causas, ganhou cinco.

Participou do time de advogados de George W. Bush na briga da contagem dos votos na Flórida, mas se sentiu mal recompensado e decidiu se aventurar na política. Aos 42 anos, sem nenhuma experiência na área, saltou alto.

Na onda direitista de 2010 surfou na prancha do Tea Party e derrotou o republicano apoiado pelo establishment. Daí nasceu a expressão "ser cruzado", que hoje assombra o partido. Quem não se comportar como manda o Tea Party corre o risco de perder o dinheiro e o apoio da direita radical na próxima eleição.

Ted Cruz tem peito. Em menos de um ano, ele insultou as pessoas mais influentes do Senado de ambos os partidos. Para o senador John McCain, ele é um wacko bird, um pássaro maluco. Transformou o insulto num elogio e hoje anda com um boné escrito wacko bird.

"O homem mais desprezado do Senado americano" é o subtítulo de um dos perfis dele. "Camicase" é uma expressão usada até pelo conservador Wall Street Journal para o herói do Tea Party, um campeão de arrecadação de fundos do movimento.

Ted Cruz tem um plano. Desde quando entrou no Senado não propôs nenhuma lei e derrubou a do colega da Flórida para legalizar imigrantes. Cita o pai como exemplo de cumprir todas as etapas legais para chegar à cidadania. O plano prioritário dele é paralisar o governo federal. Depois viria a extinção do IRS, a agência que coleta os impostos.

Ted Cruz tem um bacamarte. A longo prazo, o alvo é a Presidência e o trampolim é destruir o plano de saúde do presidente Obama, o Obamacare, que entra em vigor dia 1º de outubro.

Esta semana, contra a aprovação dos líderes do próprio partido, passou 21 horas e 19 minutos discursando no plenário para tentar impedir um voto, uma manobra legal que se chama filibuster. Um filibusteiro pode falar até cair para evitar a aprovação de uma lei.

Ted Cruz tem futuro?

Na arenga de 21 horas, o senador acusou os senadores americanos que não brigam com Obama de appeasers, apaziguadores, uma expressão que se refere aos líderes da França e da Inglaterra que não tiveram coragem de impedir o avanço de Hitler pouco antes da Segunda Guerra. Mas é o Tea Party, com seus 30% de apoio do eleitorado e 100% de disposição de derrubar o governo a qualquer preço, que lembra a arrogância nazista.

Ted Cruz aparece em sexto lugar na lista dos candidatos republicanos favoritos para 2016.

Nos últimos anos, só Sarah Palin deu saltos mortais tão altos em tão pouco tempo. Não vai ficar sozinha.


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