Um grupo internacional de astrônomos acaba de demonstrar um novo método para medir o ritmo de expansão do Universo, e ela parece estar mais rápida do que os cientistas esperavam.
A nova medição coincide bastante com outra feita no ano passado, por meio de uma estratégia mais convencional, e começa a consolidar a noção de ainda faltam peças nos nossos modelos cosmológicos para conseguirmos montar de forma exata o quebra-cabeça da evolução do Universo nos últimos 13,8 bilhões de anos.
Mas calma. Antes que alguém comece a gritar que o Big Bang é uma farsa, patati-patatá, que fique bem entendido: a diferença entre o que se esperava de acordo com o modelo cosmológico mais aceito e o que foi detectado é pequena. Não é uma variação do tipo que diga que entendemos tudo errado; ela apenas sugere que talvez ainda esteja faltando um ingrediente ou possivelmente tenhamos errado na quantidade dele em nossa receita do atual Universo.
(O Big Bang em si, entendido como o fato de que o nosso universo atual surgiu a partir de um ponto muito quente e denso, não está em discussão aqui. Há evidências múltiplas e incontroversas que sugerem fortemente que isso ocorreu, e é o que todos os resultados, inclusive esse mais recente, apontam. Faltam ainda os detalhes, claro. É como se já tivéssemos montado as bordas do quebra-cabeça e agora estamos avançando na direção do miolo da figura, vez por outra errando o lugar de uma peça, mas logo corrigindo.)
AS LENTES GRAVITACIONAIS
O novo método foi avançado pela equipe liderada por Sherry Suyu, do Instituto Max Planck para Astrofísica, na Alemanha, e os primeiros resultados, distribuídos em cinco artigos, foram aceitos para publicação no Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
A chave da medição é o uso de lentes gravitacionais fortes, um fenômeno predito há um século pela teoria da relatividade geral de Einstein. O físico alemão sugeriu que a presença de corpos com muita massa, como uma galáxia, distorce o espaço em torno de si, e isso faz com que raios de luz que venham de trás da galáxia, com relação a observadores na Terra, sejam curvados e amplificados, como se tivessem passado por uma lente óptica.
Assim, é possível obter uma imagem mais brilhante e clara de um objeto mais afastado, graças à amplificação. E, mais que isso, em alguns casos especiais, múltiplas imagens do objeto de trás são geradas.
Como funciona uma lente gravitacional e como ela gera múltiplas imagens de um objeto de fundo (Crédito: Nasa/ESA)
Esse foi o truque essencial. Os astrônomos elegeram cinco dessas lentes gravitacionais que apresentam múltiplas imagens de um quasar um núcleo galáctico primitivo e muito brilhante, dos confins do Universo. Como os raios de luz que produzem as diferentes miragens do objeto pegaram rotas ligeiramente diferentes até nós, por conta da distorção do espaço, as imagens estão dessincronizadas. E como os quasares são objetos que sofrem variações em seu brilho, é possível medir o tamanho da dessincronização entre elas.
Eis aí o pulo do gato: a diferença entre os tempos também tem embutido o ritmo da expansão do Universo.
Nesse primeiro resultado, os cientistas apresentaram o cálculo feito para apenas uma lente gravitacional, conhecida pela sigla HE 0435-1223. E conseguiram chegar à taxa de expansão a chamada constante de Hubble com uma precisão de 3,8%.
Eis o resultado que eles encontraram: o Universo se expande em 71,9 km a cada segundo por megaparsec (com margem de erro de 2,7 km/s/mpc). Como um parsec equivale a 3,3 anos-luz, um megaparsec tem 3,3 milhões de anos-luz. Então o que esse número quer dizer é que a cada segundo 3,3 milhões de anos-luz ganham 71,9 km de espaço por conta da expansão.
O tamanho desse número, por sinal, ajuda a explicar por que, apesar de o efeito da expansão cósmica estar acontecendo no Universo inteiro, só o percebemos nas grandes distâncias. Nas menores, a taxa de expansão relativa é tão pequena que a gravidade entre os corpos mais que compensa para mantê-los próximos.
(Só para efeito de exercício, podemos calcular que o raio de 1 ano-luz que separa o Sol dos objetos mais distantes orbitando ao redor dele, na chamada nuvem de Oort um repositório de cometas se expande em 2 cm a cada segundo. Mas, claro, a gravidade local atrai os corpos com força muito superior a esse afastamento, de forma que o Sistema Solar permanece estável. (Um cálculo feito em 1998 mostra que a gravidade supera o efeito da expansão cosmológica na distância entre Terra e Sol por 44 ordens de magnitude. Equivale a dizer que a gravidade que nossa estrela exerce sobre nosso planeta é 100 milhões de trilhões de trilhões de trilhões de vezes mais forte que a expansão cósmica nessa mesma escala.)
O mesmo se aplica às estrelas na galáxia e mesmo às galáxias mais próximas. Só nas maiores escalas, acima dos aglomerados de galáxias, a expansão começa a reinar soberana.
Claro, quando você coloca esse efeito numa escala que ultrapassa os megaparsecs, e chega aos gigaparsecs, estamos falando de um crescimento colossal do bolo cósmico. Por isso todas as galáxias que estão fora da nossa vizinhança parecem estar se afastando de nós. Mas, ao que resultados recentes como esse começam a indicar, não exatamente na taxa que esperávamos.
HE 0435-1223 é um dos sistemas de lente gravitacional escolhidos para estudo e o primeiro a ter seus resultados divulgados. Os quatro quasares brilhantes na verdade são um só, com sua imagem multiplicada pela lente gerada pela galáxia à frente (Crédito: Nasa/ESA)
UM NOVO QUADRO EMERGE
A medida obtida pelo grupo com as lentes gravitacionais dá força a uma outra, feita por um método mais tradicional e apresentada no ano passado. (O Mensageiro Sideral falou sobre ela aqui.) Liderada pelo Prêmio Nobel Adam Riess, ela se baseou no estudo de estrelas cefeidas e supernovas como pontos de referência para investigar a expansão e chegou a um valor de 73,2 km/s/mpc, com margem de erro de 1,7 km/s/mpc.
Em ambos os casos, tanto no trabalho de Riess como na nova investigação do grupo de Suyu (que leva o engraçado nome de H0LiCOW), um dos telescópios fundamentais na observação foi o Hubble. Agora já são duas as medições independentes que apontam que ainda tem alguma coisa que não se encaixa perfeitamente no nosso modelo vigente de evolução do Universo.
Isso porque, de acordo com os estudos de alta precisão feitos sobre a radiação cósmica de fundo (o eco luminoso do Big Bang, gerado quando o Universo tinha cerca de 380 mil anos apenas) com o satélite Planck, da ESA, a medida a que os cientistas chegaram foi de 66,9 km/s/mpc, com margem de erro de 0,6 km/s/mpc.
A questão é que essa medida é indireta ela depende do modelo cosmológico que usamos para ser inferida. Já a mais recente feita pelas lentes gravitacionais, não. Nosso método é o mais simples e direto para medir a constante de Hubble, já que ela só usa geometria e a relatividade geral, e mais nenhum pressuposto, explicou, em nota, um dos autores do trabalho, Frédéric Courbin, da EPFL, na Suíça.
No ano passado, Riess já apontava possíveis explicações para a discrepância. Talvez a energia escura uma misteriosa força que parece emanar do próprio espaço e agir na contramão da gravidade, acelerando a expansão do Universo seja mais forte do que prevíamos, ou talvez ainda falte um ingrediente desconhecido, possivelmente um quarto tipo de neutrino.
Seja qual for a resposta, é o tipo de resultado que anima os físicos e cosmólogos, porque aponta possíveis caminhos para ir além do que sabemos no presente momento e adquirirmos uma compreensão cada vez mais sofisticada do Universo. É como uma nova migalha de pão que a natureza nos deixa para que sigamos em frente motivados, sem adotar uma atitude arrogante de achar que já sabemos de tudo.
Já sabemos bastante, é verdade. Uma retrospectiva desde o primeiro cálculo da constante de Hubble, estimada pelo próprio Edwin Hubble nos anos 1930 como da ordem dos 500 km/s/mpc (dez vezes mais do que medimos agora!), mostra o quanto evoluímos, derrubando as margens de erro e incertezas para coisa de 5 km para lá ou para cá. Mas ainda tem chão adiante. Bora lá então.
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