Folha de S. Paulo


Psicólogo diz que mídia social está afetando o cérebro das pessoas

Marcelo Bernardes

O uso excessivo das mídias sociais e a constante necessidade de checar os smartphones – mesmo que não exista uma notificação alertando para a chegada de novos emails ou sms – está causando “preocupantes danos” aos níveis de ansiedade. Essa é a opinião do psicólogo Dr. Larry Rosen, da Universidade do Estado da Califórnia, que atualmente conduz um detalhado estudo de como a tecnologia afeta o cérebro das pessoas.

O Dr. Rosen foi um dos entrevistados, no último domingo (9), de uma reportagem feita pelo apresentador Anderson Cooper no programa “60 Minutes”, exibido pela rede CBS. Intitulada “Brain Hacking” (cérebro hackeado), a matéria reuniu vários pesquisadores e especialistas, entre eles Tristan Harris,  o ex-design da Google que agora virou um ferrenho crítico do junk food digital. Todos comentaram as reações químicas que ocorrem no cérebro por causa da “dependência” digital.

O uso constante da tecnologia, segundo o Dr. Rosen, altera – e desvirtua  a produção do hormônio cortisol em nosso cérebro. O cortisol, que tem finalidade evolucionária, é produzido pela glândula suprarrenal após o cérebro alertá-la de que estamos diante de uma reação de estresse agudo, mais comumente conhecida como reação de lutar ou fugir. Era desse modo que o cérebro chamava a atenção de um homem primitivo para uma situação de perigo iminente. “Mas agora o cortisol está sendo liberado apenas para nos compelirmos a checar nossos smartphones”, disse o Dr. Rosen ao blog.

Da Califórnia, o Dr. Rosen conversou com o blog sobre o aumento dos níveis de ansiedade, a obsessão pelas mídias sociais e, obviamente, sobre o novo mestre do Twitter, o presidente norte-americano Donald Trump.

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Quais são as primeiras conclusões que o senhor e sua equipe chegaram nesse novo estudo sobre o impacto da tecnologia em nossos cérebros. Devemos ficar preocupados com os novos efeitos neurológicos e psicológicos?

Dr. Larry Rosen – Se o que estamos presenciando atualmente é, pelo menos em parte, uma obsessão ou uma compulsão para o uso da tecnologia, isso significa que nosso corpo está constantemente sendo inundado por substâncias químicas que sinalizam a ansiedade, como são os casos do cortisol e da adrenalina. No longo prazo isso não pode ser saudável para nosso corpo ou cérebro. O problema é que essa obsessão está sendo lentamente fortalecida. Ela ainda não atingiu todo seu potencial. Somos ainda partes de um grande experimento. Minha teoria é que, com o passar do tempo, vamos presenciar ou uma retração nessa obsessão de checar o smartphone constantemente, ou as pessoas vão começar a perceber que precisam fazer algo bem drástico para evitar uma doença.

 

O que o mais surpreendeu nesse estudo?

Dr. Rosen  O número de vezes que as pessoas checam seus smartphones, mesmo que elas não tenham recebido um alerta ou uma notificação de novas atividades. É algo alarmante, e feitas em intervalos menores do que 15 minutos.

 

Que tipo de reação uma pessoa tem ao checar suas contas no Instagram ou Twitter?

Dr. Rosen  É como se ela estivesse diante de uma máquina de caça-níqueis, para usar uma definição cunhada pelo Tristan Harris. De acordo com a psicologia comportamental, a maneira mais forte de reforçar e sustentar um certo tipo de comportamento é fornecer, de maneira infrequente, alguma coisa empolgante. É isso o que acontece quando você checa sua mídia social. A maioria dos posts é enfadonho, ou lixo mesmo, mas você continua passando o dedo por eles, até que, vez ou outra, encontra uma pérola no meio do caminho, e que te coloca um sorriso no rosto. Ou que talvez aumente a atividade da dopamina (a molécula do entusiasmo). E você continua fazendo aquilo constantemente, para reproduzir mais uma vez a mesma sensação.

 

Existe um remédio para toda essa ansiedade?

Dr. Rosen  Sim! Reverter o processo e reaprender a se focar, não mais se distraindo. Isso requer prática, e precisa ocorrer gradativamente. Você vai precisar de um cronômetro para avisá-lo que já se passaram 15 minutos desde a última vez que seu smartphone foi checado. Vencida essa barreira, o limite deve ser aumentado para 20 minutos, e dai por diante até chegar a, pelo menos, 60 minutos isentos de qualquer obsessão.

 

A tecnologia alterou muito nossas vidas e existe uma grande preocupação sobre como certos aspectos serão afetados no futuro. Da caligrafia, passando pela interação social, até o analfabetismo. Qual desses aspectos o preocupa mais?

Dr. Rosen   A comunicação face a face. A maioria dos jovens não a pratica hoje em dia. Isso os fazem perder a habilidade de compreender uma comunicação inteira, incluindo pistas ou dicas não-verbais que são importantíssimas para a contextualização da comunicação.

 

Durante a última campanha presidencial nos EUA, o senhor postou um texto em seu blog dizendo que Donald Trump era o mestre de fornecer um estímulo desvirtuado via mídia social. O senhor acredita que a habilidade dele de se comunicar por meio de frases de efeito em seus discursos e debates ou via tuítes tiveram impacto no resultado das urnas? E acredita que a obsessão de Trump pelo Twitter vai continuar até o fim do mandato dele?

Dr. Rosen  Vivemos realmente num mundo estranho. Comunicar em pequenos ímpetos por meio da mídia social se tornou maneira eficaz e interessante de falar aos eleitores. Donald Trump é o mestre da distração. Ele usa seus tuítes de uma forma tão efetiva e criteriosa para redirecionar a atenção da mídia de fatos mais importantes, como, por exemplo, as conexões de sua campanha com a Rússia. Ele cria, assim, um efeito mais aliciante para os leitores. E os leitores americanos claramente preferem um nível mais raso de leitura, algo mais apropriado a estudantes da quinta série. Então qualquer aspecto mais sedutor apela à curiosidade deles.

 

Uma das principais preocupações da tecnologia é como o uso dos smartphones e tablets antes de dormir afeta nosso sono…

Dr. Rosen  Esse é um importante tema que a gente estudou muito. Se você tem uma boa noite de sono, três fatores cruciais acontecem com seu cérebro. Primeiro, ele vai decorar todo o material que aprendeu durante o dia, algo que chamamos de consolidação, para fixar tudo isso em sua memória. Segundo, o cérebro se livra de informações irrelevantes para abrir mais espaço para novas informações no dia seguinte. Em terceiro lugar, o fluido cerebrospinal expele as moléculas extras, o que é necessário para manter o funcionamento de nosso cérebro.  Uma dessas moléculas expelidas é a beta-amiloide que tem uma tendência de querer se agrupar, formando placas. Essas placas são encontradas com abundância no cérebro de pacientes com alzheimer.

 

Como a indústria tecnológica tem reagido aos seus estudos?

Dr. Rosen  Na verdade, eles costumam apreciar bastante os nossos métodos cuidadosos de estudar esse fenômeno. Mas quando estou de humor mais cínico, tendo a acreditar que eles usam os resultados de nossos estudos para modificar as maneiras de atrair mais a atenção do usuário. Apesar de tudo, grudar o usuário a seu smartphone é o que faz eles ganharem dinheiro.


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