Folha de S. Paulo


Janio de Freitas

O impossível, até aqui

O PL articulado por Kassab abre perspectivas de mudanças importantes no funcionamento do Congresso

Já que o impossível acontece, não será tão extraordinário que afinal o faça entre nós. Pois é isso mesmo que se vislumbra, e, talvez como compensação por tanto tempo de mesmismo, o impossível em dose dupla.

Aos poucos se esboça uma conjugação de fatores voltada para consequências alheias às intenções que os geraram e os impulsionam. Como sobras que, além de imprevistas, passam a ser o principal.

Elemento decisivo em todas as situações políticas nos sinuosos 30 anos desde o fim da ditadura, o PMDB e sua potência estão sob fortes ameaças. Uma delas, de procedência interna. Como efeito colateral e subterrâneo, digamos, do objetivo peemedebista de manter a presidência da Câmara. Seu candidato natural, Eduardo Cunha, líder da bancada, tem relações ruins com o governo e não convive com o PT como o aliado que o PMDB diz ser. Sua campanha não explicita projeto político, ou mesmo propostas para melhor funcionamento da Casa, limitando-se à vulgaridade das promessas materiais, e mal definidas, para a massa dos deputados fisiológicos.

Mas Eduardo Cunha não evita a insinuação de que, se eleito (por ora, é o favorito), seu convívio com o governo promete ser igual ou pior que o atual. O nível e os desdobramentos mudarão, porém.

Nesse caso, em termos institucionais haverá a hostilidade entre dois poderes. Em termos partidários, o poder da Câmara conduzirá um segmento do partido a contrapor-se ao vice-presidente da República, que simboliza a aliança do PMDB com o governo. E se oporá, ainda, ao presidente do Senado e do Congresso, além de a senadores peemedebistas. Contingência partidária difícil, portanto, e tendente a desfecho traumático e enfraquecedor do PMDB.

A alternativa a um encaminhamento assim seria, ainda no caso de eleição de Eduardo Cunha, a inversão mútua das suas e das disposições do governo. Uma improbabilidade renitente, a julgar pelo que se conhece dos dois lados.

Em paralelo a esse PMDB em suspense, corre quase em silêncio a formação de mais um partido, o PL. Seria só isso mesmo, mais um partido, não fosse ideia e obra do mais surpreendente dos políticos surgidos nos tempos recentes. Já criador do bem sucedido PSD, Gilberto Kassab leva sua ousadia a uma operação de admirável criatividade política: um novo partido que, obtidas as esperadas adesões, se incorpora ao PSD e o torna uma força, no mínimo, equivalente à do PT e à do PMDB.

O PL poderá mostrar-se opção promissora para muita gente, mas seu alvo preferencial são peemedebistas. Para muitos dos quais representa a oportunidade de maior aproximação aos benefícios proporcionados pelo governo. Aquelas vantagens do governismo sempre disputadas com muitos concorrentes no PMDB e, em geral, ou destinadas aos de sempre ou insignificantes. Atração bem visível, o prestígio do ministro Gilberto Kassab e do PSD no governo não é menor que o do PMDB. Muito ao contrário, com bons motivos para isso: como aliados do governo, Kassab é sutil e leal, o PMDB é famélico e prepotente.

Nova distribuição das forças na Câmara, com a perda da condição de elemento decisivo pelo PMDB, muda a configuração política. Se acontecer, abre perspectivas para modificações importantes no funcionamento do Congresso e para a apreciação de muitas das aspirações que o PMDB bloqueia. A reforma política, por exemplo. Cujo primeiro passo estaria dado na própria redistribuição das forças partidárias no Congresso.

Ou seja, o impossível, até aqui.


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