Folha de S. Paulo


20 anos depois

Plano Real faz 20 anos ainda incompleto

Economia nacional é menos exótica, mas país está longe da normalidade prenunciada pelo plano de estabilização

Juros continuam altos e refletem a precariedade da estabilização monetária e do equilíbrio de contas públicas

GUSTAVO PATU DE BRASÍLIA

"Um país normal, e não mais exótico", foi como o ministro da Fazenda, Pedro Malan, descreveu o Brasil.

Naquele 4 de outubro de 1996, a economia brasileira ainda vivia a rápida transformação proporcionada pelo Plano Real, lançado pouco mais de dois anos antes.

A reintegração ao mercado global se aprofundava, depois de superadas a hiperinflação e a crise da dívida externa. Sintomaticamente, Malan discursava na posse de Henrique Meirelles na presidência do BankBoston.

Uma década e muitos solavancos depois, Meirelles, agora presidente do Banco Central, mostrava cautela no Fórum Econômico Mundial, em 2006: "Estamos, talvez, num momento de transição para um país normal".

EXOTISMO ECONÔMICO

Hoje, com o real prestes a completar 20 anos, os exotismos econômicos nacionais não são mais tão extremos, mas o Brasil permanece distante da normalidade prenunciada pelos formuladores do plano de estabilização.

A moeda lançada em 1º de julho de 1994 é incomparavelmente mais sólida que suas antecessoras --cruzeiro, cruzeiro real, cruzado e cruzado novo, nomes que se alternavam na época das remarcações diárias de preços.

A inflação, porém, não é um problema deixado para trás. A taxa anual acima de 6% está entre as seis mais elevadas do G20, o grupo das principais economias mundiais; ao lado do Brasil na lista estão países tidos como frágeis pelo mercado global, casos de Argentina, Turquia, Índia, Indonésia e África do Sul.

ANOMALIA

O IPCA, índice de preços adotado como referência pelo Banco Central, está superando a meta oficial de 4,5% pelo quinto ano consecutivo, a despeito do controle das tarifas públicas e da mais intricada anomalia econômica do país: as taxas de juros permanentemente entre as mais elevadas do mundo.

Numa era de crescimento fraco e juro zero ou pouco acima disso nos países desenvolvidos, a taxa atual do BC brasileiro é de 11%, quase 5% descontada a inflação --a maior, com folga, entre as economias mais importantes.

Não há até hoje um diagnóstico consensual para explicar a extravagância. Genericamente, é razoável apontar que as taxas refletem a precariedade da estabilização monetária e do equilíbrio das contas públicas.

Ficou inconcluso o processo, complementar ao Real, de desindexação da economia, ou seja, de eliminação da mania nacional de corrigir preços e contratos de acordo com a inflação passada --que acaba se perpetuando.

Num país que poupa pouco e cujo governo gasta acima das receitas, os juros também funcionam como um prêmio para os investidores dispostos a comprar títulos da dívida pública.

Dados de 2011 coletados pelo Fundo Monetário Internacional apontaram que os encargos da dívida no Brasil eram os terceiros mais altos do mundo, atrás apenas dos pagos por Grécia e Líbano.

Para sustentar tamanha conta financeira e um crescente aparato de proteção social, os contribuintes brasileiros destinam 35% de sua renda ao governo --a carga mais alta, ao lado da argentina, no mundo emergente.


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