Folha de S. Paulo


Por que não conseguimos resolver os problemas das cidades?

As águas estão recuando em Houston, e o mesmo, inevitavelmente, pode ser dito sobre o interesse nacional pela situação. Mas o furacão Harvey deixará grande devastação em sua esteira, e nem todos os danos são visíveis. Ainda não sabemos, especialmente, se a inundação de fábricas de produtos químicos, depósitos de lixo e outros locais resultou em derramamento de materiais venenosos. Mas não seria ilógico apostar que mais pessoas morrerão por conta das toxinas que o Harvey espalhou do que por conta da tempestade em si.

Oh, e se você confia no atual governo para lidar devidamente com as consequências do Harvey, estou vendendo baratinho um diploma da Universidade Trump. Já há sinais de negligência: muitos depósitos de lixo tóxico foram inundados, mas a Agência de Proteção Ambiental (EPA) é conspícua pela ausência.

De qualquer forma, o Harvey foi um desastre épico. E um desastre causado, em larga medida, por políticas públicas ineficientes. Como muita gente já apontou, o que tornou Houston tão vulnerável a inundações foi o desenvolvimento imobiliário descontrolado e desregulamentado. Uma maneira de expressar a questão é que a Grande Houston abriga população equivalente a um terço da Grande Nova York, mas tem extensão semelhante, e a área dos terrenos que não foram pavimentados e não abrigam construções, na cidade, é menor que a encontrada em Nova York.

A grande extensão de Houston causava o tráfego horrível da cidade e uma situação grave de poluição mesmo antes do furacão. Quando as chuvas chegaram, a imensa área pavimentada impediu que as águas da chuva fossem absorvidas.

Assim, será que o desastre em Houston serve como lição sobre a importância da regulamentação do uso de terras urbanas, e de não permitirmos que os incorporadores imobiliários construam o que quer que desejem, onde quer que desejem? Sim, mas.

Para compreender o "mas", considere o desastre de outra espécie que está acontecendo em San Francisco. Enquanto Houston sempre foi famosa pela virtual ausência de regulamentação quanto a construções, San Francisco é famosa pela aversão de cada bairro à construção de novas moradias em sua área. A economia da região da baía de San Francisco está vivendo um boom nos últimos anos, principalmente por conta do Vale do Silício, mas o número de unidades de habitação novas construídas na área é muito baixo.

O resultado é uma disparada nos preços de venda e nos valores dos aluguéis das casas. O aluguel médio de um apartamento de um quarto em San Francisco é de mais de US$ 3 mil, o mais alto do país e cerca de três vezes mais alto que o valor do aluguel médio de Houston. O preço médio de uma casa é de mais de US$ 800 mil.

E embora a geografia —os limites impostos pela água e pelas montanhas— seja muitas vezes mencionada como desculpa para a escassez de novas construções residenciais na região da baía de San Francisco, não existe motivo para que não haja verticalização. A moradia em San Francisco agora se tornou mais cara do que em Nova York; por que não construir mais edifícios e edifícios mais altos?

Houston e San Francisco são casos extremos, mas nem tão extremos. O fato é que as grandes áreas metropolitanas dos Estados Unidos se dividem agudamente entre as cidades do Sun Belt, onde vale tudo, como Houston e Atlanta, e as cidades da costa leste e da costa oeste onde nada é permitido, como San Francisco ou, em menor medida, Nova York. (Chicago é uma cidade extensa com ocupação densa mas preços relativamente baixos para a habitação; talvez o resto do país tenha algumas lições a aprender com ela?).

O ponto é que essa é uma das questões de política pública na qual dizer que "os dois lados estão errados" —o tipo de afirmação que eu em geral desprezo— realmente procede. Rejeitar a construção de novas unidades residenciais em bairros já estabelecidos é ruim para as famílias trabalhadoras e a economia dos Estados Unidos como um todo, porque estrangula o crescimento exatamente nas áreas em que os trabalhadores são mais produtivos. Mas o desenvolvimento imobiliário irrestrito impõe custos elevados na forma de congestionamentos de trânsito, poluição e, como acabamos de ver, vulnerabilidade a desastres.

Por que não somos capazes de acertar, na política urbana? Não é difícil perceber o que deveríamos estar fazendo. Precisamos de regulamentação que evite riscos claros, como o de instalação de indústrias químicas sujeitas a explosões em bairros residenciais; e que preserve uma área razoável de espaço desocupado, mas que autorize a construção de moradias.

Deveríamos especialmente encorajar construções que tirem vantagem da tecnologia mais efetiva de transporte em massa já desenvolvida: o elevador.

Na prática, porém, a política pública muitas vezes termina capturada por grupos de interesses. Nas cidades extensas, os incorporadores de imóveis exercem influência desproporcional, e quanto mais extensa a área de uma cidade, maior a influência deles. Nas cidades onde a construção residencial é reprimida, a disparada nos preços faz com que os proprietários de casas desejem ainda menos admitir a entrada de novos moradores.

Será que os Estados Unidos conseguirão escapar dessas armadilhas políticas? Talvez. Nos Estados onde os democratas vencem eleições e as cidades permitem pouca construção, há um movimento político crescente apelando por mais habitação. Nos Estados dominados pelos republicanos, até agora surgiram menos sinais de que o desenvolvimento imobiliário irrestrito esteja sendo reconsiderado, mas o Harvey pode servir como alerta.

Uma coisa é clara: a maneira pela qual administramos os terrenos urbanos é uma questão muito importante, com forte impacto sobre a vida dos americanos.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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