Folha de S. Paulo


Poucos mencionam aquecimento global ao lado do furacão Harvey

Na realidade, precisamos falar mesmo é de mudança do clima (ou de colapso climático, como prefere o grande George Monbiot, colunista do jornal britânico "The Guardian"). O furacão Harvey é um bom pretexto para isso.

E que pretexto. A tempestade despejou sobre Houston (Texas), quarta maior cidade dos EUA, 1.270 mm de água entre a noite de 24 de agosto e a tarde de 29. Não poucos se lembraram de Sandy (2012) e Katrina (2005).

Em menos de cinco dias, choveu ali quase tudo que chove na cidade de São Paulo em um ano. Ou, como disse a revista "The Economist", essa quantidade de água daria para cobrir uma criança de oito anos de idade em pé.

Na sexta-feira, o número de mortos já havia ultrapassado a marca de 40. Mais de 34 mil pessoas buscaram refúgio em abrigos da Cruz Vermelha. Os prejuízos podem alcançar dezenas de bilhões de dólares, mas só se saberá ao certo quando a inundação baixar.

Foi o maior temporal já registrado nos Estados Unidos. Um evento de magnitude que só deveria repetir-se a cada 500 anos –e foi o terceiro a se abater sobre a cidade desde 1979.

Monbiot diz que a relutância de jornalistas a relacionar esse megadesastre natural com o colapso climático resulta de autocensura. No país que elegeu o negacionista Donald Trump em 2016 –o ano mais quente já registrado no planeta–, poderia soar como exploração política da tragédia. Que feio.

O colega britânico está com a razão quando diz que, embora não seja fácil atribuir cada evento meteorológico extremo ao aquecimento global, todos eles estão sob sua influência.

Boa parte do calor adicional aprisionado na atmosfera terrestre por gases do efeito estufa é absorvido nos oceanos. Foram as águas anormalmente quentes do golfo do México que encheram Harvey de energia, elevando-o à categoria 4, com ventos da ordem de 200 km/h.

A atmosfera já se aqueceu 1ºC desde a era pré-industrial. O ar mais quente retém mais umidade, o que contribui para turbinar a quantidade de água despejada por temporais ""que também engordam sobre as "ilhas de calor" sobre metrópoles impermeabilizadas, como Houston ou São Paulo.

Era previsível que uma hecatombe dessas devastaria Houston ou localidades próximas nalgum momento. A cidade, no entanto, parece despreparada para ela. A decisão do prefeito de não recomendar sua evacuação pode ter sido um erro trágico.

De toda maneira, a mortalidade desencadeada por Harvey foi muito menor que a do Katrina, no qual pereceram até 1.800 pessoas, segundo algumas estimativas. Em que pese o alegado despreparo da prefeitura de Houston, fato é que os sistemas de alerta são melhores hoje, talvez pela disseminação das redes sociais.

Há indicações de que, embora estejam em alta a quantidade anual de desastres naturais, a parcela de eventos climáticos entre eles (em comparação com terremotos, por exemplo) e os prejuízos deixados, o número médio de mortes dos eventos está caindo.

Há algo mais a dizer sobre a cobertura jornalística de desastres naturais e seus mortos: a diferença de tratamento e destaque, a depender do local da tragédia. Se em Houston houve mais de 40 vítimas, na mesma época do Harvey pelo menos 1.200 morreram na Índia, em Bangladesh e no Nepal em inundações pelas chuvas de monção.


Endereço da página:

Links no texto: