Folha de S. Paulo


Gravações tornam o Brasil mais próximo de república bananeira

Pedro Ladeira - 04.set.2017/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 04-09-2017, 19h00: O procurador geral da república Rodrigo Janot durante pronunciamento à imprensa para falar sobre uma possível revisão do acordo de delação premiada da JBS. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
Rodrigo Janot fala à imprensa sobre uma possível revisão do acordo de delação premiada da JBS

Pronto, caiu na roda a última instituição –o Supremo Tribunal Federal– que ainda gozava do respeito da maior parte do público. Que país, meu Deus.

Ainda tentei usar os óculos de Pangloss para uma leitura ingênua das declarações de Rodrigo Janot. Afinal, o procurador-geral dizia apenas que havia uma nova gravação na qual constavam "referências indevidas à PGR (Procuradoria Geral da República) e ao Supremo Tribunal Federal".

Podia ser, sempre na interpretação panglossiana, que "indevidas" fossem as falas dos delatores, não as ações (de resto não especificadas) de ministro ou ministros do Supremo.

Mais o mais elementar sentido comum manda jogar fora os óculos de Pangloss, porque o procurador-geral explicitou a natureza da alusão à PGR: referia-se ao ex-procurador Marcello Miller, flagrado em "conduta em tese criminosa", sempre de acordo com a exposição de Janot.

Como PGR e Supremo vieram na mesma frase, só se pode concluir que também no caso do STF aplica-se a suspeita de "conduta em tese criminosa".

É uma possibilidade terrível: afinal, Executivo e Legislativo já têm um penca de acusados ou, no mínimo, de suspeitos. Se a suspeição chega ao Judiciário - e, pior, à sua mais alta Corte -, o Brasil se transforma em um lodaçal só visto antes em repúblicas bananeiras.

Ainda mais que não apenas as instituições do Estado estão na berlinda: a Lava Jato demonstrou claramente que o capitalismo brasileiro é mafioso. Só funciona à base de conluios indecentes entre o setor público e as grandes empresas.

Em tal cenário, o pior que poderia acontecer seria a reviravolta no caso JBS causar a morte ou ferimentos graves na Lava Jato. Todos os erros e/ou abusos eventualmente cometidos não podem esconder o fato de que a apuração foi tão bem feita que, pela primeira vez, levou empresários privados e executivos de estatais a confessarem crimes e, mais, devolver dinheiro aos cofres públicos.

Ninguém devolve dinheiro ganho licitamente. Logo, o crime está exposto à luz do Sol e devidamente confessado, o que é raro, talvez inédito.

Que haveria uma forte reação à essas punições e revelações, era óbvio. Os poderosos, na política e na economia, não caem sem disparar. O triste é que o disparo mais recente (e no próprio pé) tenha vindo justamente do procurador-geral.

Valem, mais que nunca, as palavras de Celso Rocha de Barros em sua coluna da segunda-feira (4): "Se pararmos as investigações antes que o sistema político e o nosso capitalismo tenham sido reformados, estaremos dando um calote gigantesco em um povo pobre que já pagou sua parte em desemprego e miséria. Não parece justo".

Ressalva indispensável: não foi apenas o "povo pobre" que pagou, mas todo o país. O calote será no Brasil e de tal ordem que só aumentará o já inédito grau de descrença e desprezo às instituições.


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