Folha de S. Paulo


Kim, o ditador que pode jogar bombas mas não parece rasgar dinheiro

Kim Jong-un, o ditador norte-coreano, é abominável. Todo ditador é abominável. Kim, além disso, exibe certos trejeitos que indicam possível insanidade. Não obstante, há pelo menos uma razão para supor que ele pode jogar bombas mas não rasga dinheiro.

É pelo menos o "insight" que Guilherme Magalhães, desta Folha, colheu em sua recente estada na Coreia. Entre outros belos trabalhos, Guilherme entrevistou Kim Heung-kwang, dissidente norte-coreano que reside na Coreia do Sul, na qual dirige a Solidariedade aos Intelectuais da Coreia do Norte (NKIS, na sigla em inglês).

O dissidente, certamente com mais informações sobre seu país de origem do que 99% dos analistas ocidentais, lembrou que o ditador norte-coreano está com 33 anos e acrescentou: "Tem menos dinheiro do que Bill Gates, mas leva uma vida mais luxuosa. Não acho que ele se arriscaria a deixar essa vida para iniciar uma guerra que sabe que perderia".

Faz todo o sentido. Permite, portanto, que se parta, em qualquer análise sobre a crise da hora, da premissa de que Kim Jong-Un não tomará a iniciativa de atacar os Estados Unidos ou o Japão ou a Coreia do Sul.

KCNA/Reuters
Imagem distribuída pela agência de notícias KCNA mostra Kim Jong-un inspecionando o que seria a bomba de hidrogênio
Imagem divulgada no domingo (3) mostra Kim Jong-un com o que seria uma arma nuclear

Não quer dizer, no entanto, que abandonará o projeto de dotar a Coreia do Norte do armamento nuclear.

Onze de cada dez analistas têm escrito, reiteradamente, que Kim não quer ser um novo Saddam Hussein, o ditador iraquiano que também desafiou os Estados Unidos e, sem armas nucleares, foi varrido do mapa.

"Para os dirigentes norte-coreanos, o programa de armamento nuclear não é um fim em si mesmo mas, acima de tudo, um das múltiplas estratégias para alcançar o objetivo maior, que é a sobrevivência do regime", escreveu Andrei Lankov, da Universidade Kookmin de Seul, em "The Real North Korea", editado em 2013 e desencavado pelo "Monde" em sua edição de segunda-feira (4).

Se essa análise estiver correta, a equação norte-coreana fica com duas patas: nem tomará a iniciativa de atacar nem desistirá de possuir a arma nuclear (na verdade, já a tem; o que não se sabe é se dispõe de tecnologia para acoplá-la a um míssil e lançá-lo a longa distância).

Falta apenas encaixar a reação ocidental ou, mais precisamente, dos Estados Unidos.

Neste ponto, me apoio em Igor Gielow, excelente analista, quando escreve para a Folha: "A análise [da presente crise] também supõe racionalidade do lado de Trump, o rei da bravata virtual, mas que ainda tem uma grande estrutura com freios e contrapesos institucionais à sua volta para evitar algum movimento muito voluntarioso".

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Se é assim, resta o caminho das sanções. O problema é que, por sete vezes, desde o primeiro teste nuclear norte-coreano, em 2006, o Conselho de Segurança aprovou resoluções prevendo sanções, cada vez mais severas, sem, no entanto, fazer o regime se dobrar.

Agora, no entanto, os Estados Unidos ameaçam com a sua própria arma nuclear comercial: quem fizer negócios com a Coreia do Norte não poderá fazê-los com os EUA. Se implementada essa iniciativa, haveria razoável chance de desestabilizar o regime.

Falta, no entanto, combinar com os chineses, com os quais a Coreia do Norte faz 90% de seu comércio, mas que são também um dos mais importantes parceiros comerciais dos Estados Unidos.

A China bem que gostaria de controlar Kim, mas não quer uma desestabilização caótica do vizinho, por temor a receber uma massa de refugiados.

Volta-se, assim, ao início da história –ou, mais precisamente, à busca da quadratura do círculo.

E se cai no risco antevisto pelo cientista político alemão Andreas Herberg-Rothe para a newsletter semanal do HuffPost: "Quando ninguém está querendo piscar, países vão à guerra com os olhos bem abertos".


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