Folha de S. Paulo


Só prisão não 'cura' estuprador; castração química muito menos

Marcelo Gonçalves /Sigmapress /Folhapress/Folhapress
Mais uma mulher atacada por Diego Ferreira de Novais neste sábado (2)
Mulher atacada por Diego Ferreira de Novais dentro de ônibus é amparada por policial

É possível recuperar homens que cometeram crimes sexuais? Qual a eficácia dos medicamentos e outros tratamentos psiquiátricos? Castração química funciona?

Além do debate sobre a definição legal de estupro que veio à tona com o caso do ajudante geral Diego de Novais, 27, preso duas vezes na semana passada por atacar mulheres dentro de ônibus em São Paulo, é imperativo discutir também os tratamentos disponíveis nesses casos, já que a literatura mostra que só prender não funciona.

Uma opção controversa que ganhou as redes sociais nos últimos dias é a castração química, que consiste no uso de hormônios para privar, temporariamente, o paciente de impulsos sexuais.

Essas drogas inibem a produção de testosterona ou estimulam a produção de altos níveis hormonais –o que "engana" o corpo e leva à interrupção da produção natural.

A proposta de tratamento químico para criminosos consta em projeto de lei do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), que tramita na Câmara dos Deputados desde 2013.

Mas se engana quem pensa que a terapia vá curar o estuprador. Embora haja redução do impulso, o interesse sexual continua. Pode ser que a pessoa não tenha ereção para penetração, mas pratique a violência de outras formas.

Mesmo no vácuo de evidência sobre a eficácia, diversos países adotam a castração química. Nos EUA, 12 Estados lançam mão desse recurso. Estudos da Universidade de Brasília mostram que, em casos de transtornos como a pedofilia, 90% dos agressores respondem bem a terapias aliadas a antidepressivos. Apenas 10% vão precisar de hormônios para o controle do impulso sexual.

A questão é que o tratamento precisa ser individualizado, a partir de um diagnóstico preciso sobre qual tipo de transtorno psiquiátrico a pessoa realmente tem.

No momento em que o país parece acordar para o alto número de estupros (no mínimo, 50 mil por ano, dos quais 10 mil são coletivos) e para o machismo reinante na Justiça e na sociedade em geral, é importante que se atente também para o tratamento adequado dos criminosos.

Embora não haja dados nacionais sobre a taxa de reincidência entre estupradores, são frequentes as notícias de homens que passam anos presos e, uma vez soltos, voltam a praticar o mesmo crime.

Há dois anos, Marco Antonio Azar, 60, foi preso acusado de atacar uma criança de sete anos em Bauru (SP). Havia apenas duas semanas que ele tinha deixado o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Franco da Rocha (Grande São Paulo), onde ficara preso por 18 anos pelo abuso de crianças.

Existem modelos inspiradores no exterior. Em Nottinghamshire (Inglaterra), há uma prisão que se propõe a tratar e reabilitar acusados de crimes sexuais. Entre eles, há pastores, professores, pilotos de avião, policiais, agentes penitenciários, médicos –70% cometeram crimes contra menores de idade.

Nas sessões de terapia individuais ou em grupos, a meta é fazer com que eles entendam o dano que causaram a outras pessoas e a si próprios, e que aprendam formas de identificar sinais de alerta que o impeçam de cometer novos delitos no futuro. Ali, a taxa de reincidência é de 6%, bem baixa se comparada aos 50% da população geral de detentos do país.

Não há garantias de que, soltos, esses homens não voltem a delinquir. Mas, provavelmente, se nada for feito, essa hipótese é quase certa.


Endereço da página: