Não é segredo que os festivais têm um papel crucial na atual cultura da dance music. Esses eventos gigantescos não servem apenas como um portal de entrada para novos fãs do gênero; são também uma plataforma poderosa para a divulgação de novas ideias e sons, além de uma mostra do caminho que a cultura dance está tomando. Além disso, são uma forma segura de produzir receita tanto para a galera independente quanto para as grandes corporações.
Ainda assim, à medida que os festivais vão crescendo em dimensão e importância, sua atração principal - os DJs famosos - estão se deparando com uma crise existencial. Mais especificamente sobre o que caralhos eles deveriam fazer quando estão no palco. Em entrevistas recentes para o New York Times, MTV e outros canais, diversos DJs conceituados parecem ter opiniões divergentes, ou pelo menos visões extremamente diferentes, sobre qual deveria ser o seu papel em um festival de dance.
Harrison Boyce/Facebook | ||
Em uma reportagem do New York Times, os ex-integrantes do grupo Swedish House, Mafia Axwell e Sebastian Ingrosso, revelaram um tesouro de fatos curiosos sobre sua carreira pós SHM como a dupla Axwell /\ Ingrosso. (Meu favorito: que o Axwell curte murmurar "vira vira viraaa" para ele mesmo antes de subir no palco). Enquanto a mídia da cena dance se aperfeiçoava no comentário do Axwell que "dance music underground [é] amadora", o real foco da entrevista foi o show ao vivo da dupla sueca.
"A coisa mais importante não é o que tocamos, e sim nossa personalidade e a forma como interagimos com a plateia", disse Ingrosso. De uma só vez, ele resumiu a mentalidade de DJs como o Avicii e o Steve Aoki, que foram criticados por tocarem de forma previsível ou usarem sets possivelmente pré-gravados, a fim de coordená-los com a implantação de pirotecnia (ou bolos).
Como Axwell /\ Ingrosso explicam, seus cobiçados 90 minutos num palco principal rodeados por um borrão de fogos de artifício, lasers e luzes de LED são como uma "volta olímpica" depois de anos de muito trabalho barulhento no estúdio. Sendo assim, e se a continuação do esforço dos caras for entregar nas mãos de Deus e girar alguns botões? "Eles não sabem o que fazemos antes dos shows", Axwell disse; "Um cara com uma guitarra provavelmente sabe tocar guitarra, mas será que ele sabe como produzir uma música inteira?"
Este é, talvez, o anúncio oficial da reformulação do papel do DJ de "habilidoso seletor de faixas" para "queridinho que só toca grandes hits", minimizando a importância da improvisação e o fator surpresa nos sets, favorecendo a familiaridade da plateia com as músicas e do espetáculo.
Mick Collins/Facebook | ||
É fácil imaginar DJs sazonais como o Paul Van Dyk e o John Digweed ficando putos com estes comentários. Semana passada, os dois se manifestaram contra a corrente atual de DJs conceituados que tocam os mesmos hits cansativos sem parar nos festivais.
"Se você é o melhor do DJ do mundo, está numa posição onde pode tocar coisas que o público não conhece e surpreendê-los", Digweed disse à MTV. "Mas se escolhe tocar músicas que o público conhece só para obter uma reação, então você é só preguiçoso".
Ele confessou orgulhosamente que seu set no Ultra, onde tocou no palco do Carl Cox, foi baseado em faixas baixadas naquela mesma tarde. Tocar uma música que ninguém conhece e ver a plateia indo a loucura é "mais gratificante", ele acrescentou.
Seguindo mais ou menos essa linha, Van Dyk disse à MTV: "Acho que é nossa responsabilidade enquanto DJ fuçar as milhares de faixas que são lançadas toda semana e escolher as que de fato transmitem algo."
Ambos, Digweed e Van Dyk, são meia geração mais velhos que o Axwell e o Ingrosso, tendo começado a bombar na década de 90 e atingido o ápice mainstream de suas carreiras durante a primeira corrente eletrônica do início dos anos 2000, uma década antes da febre do EDM ter invadido a América e respingado nos outros continentes. Nos últimos cinco anos, Van Dyk esteve fora do circuito de festivais durante boa parte do tempo, enquanto o Digweed esteve presente de forma limitada e apenas em palcos secundários. Em outras palavras: os dois efetivamente ficaram de fora das regalias do festival de eletrônica que está sendo comandado pelo Axwell /\ Ingrosso.
Os comentários do Digweed e do Van Dyk são, portanto, emblemáticos de uma escola de discotecagem das antigas - uma que tem a dinâmica da pista de dança como prioridade máxima. A explosão da dance music no mainstream mudou a natureza de suas performances. Os festivais de hoje em dia incorporam despreocupadamente características de shows de pop e rock. Enquanto o Digweed e o Van Dyk tocavam sets que se estendiam por horas, os sets do Axwell /\ Ingrosso geralmente duram uma hora e meia. O acadêmico da dance music e crítico cultural Luis-Manuel Garcia chamou esse processo de "concertização" da música eletrônica.
Paul Van Dyk no Ultra Miami de 2013 |
"A nova geração de músicos do EDM, em sua maioria, abandonou as práticas performáticas da cabine do DJ para adotar uma digna de shows de pop e rock: sets curtos e intensamente musicais no mesmo ritmo de um show de rock, uma 'persona' com um palco gigantesco e um investimento aparentemente interminável em efeitos visuais para acompanhar o excesso sensorial de um som 'que derrete o cérebro'", Garcia escreveu em uma reportagem para a Resident Advisor. Ele poderia facilmente estar se referindo ao palco principal do Axwell /\ Ingrosso no Ultra.
Seth Troxler - que abrange os dois mundos ao defender a dance music underground ao mesmo tempo que faz parte do lineup do Ultra - se posiciona violentamente contra a corrente atual de DJs famosos e suas artimanhas como rock stars. "Vi o Steve Aoki tocar nestes festivais; ele não parava de desligar a música e correr pelo palco, dizendo 'Este é meu novo single! Será lançado semana que vem!' e tocar a próxima música", diz o DJ de Detroit. "Você não é um DJ de verdade. Você é um filho da puta sem talento que ganha bem pra caralho e fica jogando bolo na plateia", reitera Troxler. (Aoki recentemente deixou esta prática de lado ).
"Tem música, mas não se trata apenas disso", Troxler conclui. "Se trata de experimentação e o contexto no qual você sente a música."
Ele está certo. Independentemente do palco, grande parte do espírito da dance music está na experimentação e na espontaneidade. Recentemente, o Skrillex e Four Tet tocaram um set juntos em um pub londrino xexelento, no qual encantaram a plateia e o coro de DJs que estava presente (Ben UFO, Pearson Sound, Floating Points, Caribou e Pangaea) ao misturarem hits do EDM com clássicos do grime. De certa forma, a arte da experimentação foi usada para fechar a lacuna entre o underground e o mainstream.
Numa época em que o "underground" é facilmente encontrado online e os festivais mainstream possuem um palco nomeado ou programado com elementos do underground, talvez essas barreiras não existam da forma que imaginamos. Afinal, o Skrillex e o Four Tet usaram a mesma música para encerrar o seu show que o Times bem observou que o Axwell /\ Ingrosso também tocou o mesmo som no seu set - um clássico soft rock de 1982 do Toto, "Africa".
Tradução de STEFANIA CANNONE
Leia no site da Vice: O Papel do DJ nos Festivais de Música Eletrônica