Folha de S. Paulo


Banksy Comprou a Casa da Minha Família

Miguel C./Reprodução/Flickr
'Maid in London', de Banksy
'Maid in London', de Banksy

"Quem é Banksy?" é uma pergunta que você provavelmente já fez quando o Facebook te lembra que ele existe, que esse sujeito deveria estar na nota de 20 libras, no nome do aeroporto de Bristol ou em qualquer coisa assim. E a resposta é: Banksy é o cara que comprou a casa da minha família e as minhas ovelhas de estimação. Apesar de essa não ser a maior história já contada, provavelmente é a coisa mais interessante sobre mim - e se ele tivesse comprado a sua casa e as suas ovelhas, não venha me dizer que você também não iria sair contando para todo mundo.

Seu primeiro pensamento é: 'Então você é muito rica, porque Banksy é muito rico. E por que o Banksy ia querer comprar uma casa de pobre?'. É uma suposição justa. Mas, parafraseando Steven Segal em A Força em Alerta 2, "suposições são a mãe de todas as merdas", e talvez por isso ninguém saiba quem ele é ou onde ele está - fora eu. Porque Banksy não é idiota. Ele não mora numa cobertura luxuosa ou num condomínio fechado. Ele não se senta num iate em Cannes jogando salgadinho pras gaivotas. Ele se muda constantemente, ficando em chalés pequenos e acessíveis: chalés como o meu, chalés onde ele pode finalmente tirar a bandana manchada de tinta da cara e lavá-la na lava-louça Bosh que deixamos para trás na venda, ficando livre para contar suas pilhas de dinheiro em voz alta.

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Banksy veio à nossa casa pela primeira vez dez anos atrás. Nosso chalé com teto de palha ficava num vilarejo de um pequeno condado da Inglaterra. O lugar fica completamente escondido da estrada e não tem vizinhos. E, apesar de isso tornar as longas noites de inverno especialmente pouco relaxantes, é um local ideal para um mestre criativo anônimo de fama mundial. Era junho, acho. Tínhamos acabado de colocar a casa no mercado e abrimos o lugar para visitas sem corretores no final de semana, porque somos totalmente boêmios. Tínhamos arrumado tudo para atrair o tipo certo de comprador: o chão estava varrido, colocamos flores por todo lado, as galinhas estavam soltas no jardim, os ratos estavam entrando escondidos no galinheiro para roubar os ovos delas com suas mãozinhas de rato e as ovelhas estavam com as caras enfiadas na cerca, provavelmente esperando o almoço ou algum tipo de absolvição.

Um monte de gente apareceu para ver a casa. Uma mulher simpática apareceu numa cadeira de rodas, mas não conseguiu chegar ao segundo andar e foi embora. Depois do almoço, um Casal Ordinário chegou num Carro Ordinário e entrou na casa. O homem, que era o Sr. Banksy, não era especialmente marcante, a não ser por ser alto e usar muito preto. Ele também estava com um boné de basebol com a aba bem abaixada sobre o rosto. Isso devia ter disparado todos os alarmes, porque claramente demonstra um nível BND espionagem social, mas ei, a gente não se tocou.

Todo mundo ficou na cozinha por um tempo jogando conversa fora. Sendo britânicos, a conversa foi tipicamente empolada, mas, toda vez que minha mãe perguntava alguma coisa para ele, ele dava de ombros e olhava para a esposa, a Sra. Banksy, que respondia por ele. Ela era muito legal, falante e charmosa. O Sr. Banksy se safava dizendo coisas como "hum" e "não" quando minha mãe ofereceu uma xícara de chá. Para ser honesta, a vibe dele era estranha, até que a esposa explicou que ele era "criativo", o artista que - espera só - tinha feito as cabeças douradas da premiação do Bafta. Por isso ele queria a casa, porque ela tinha um pequeno celeiro no fundo, ideal para construir cabeças douradas gigantes. Você tem de admitir que foi uma ótima cortina de fumaça.

Não nos ocorreu que ele estivesse mentindo; assim, minha mãe ouviu o que deve ter sido uma descrição de merda sobre colar folhas de ouro, enquanto eles perguntavam sobre a caldeira, os azulejos e se eles podiam comprar as cortinas. Veja bem, essa foi a única coisa estranha naquela tarde: eles disseram que queriam comprar tudo e estavam dispostos a pagar. As cortinas, a porcelana, os móveis, até as quatro galinhas e 16 ovelhas de estimação que tínhamos no campo. Tipo, tudo. Porque, sabe, Banksy, o homem, tem um estilo de vida muito particular. E, fora a "fase do estêncil" nos anos 1990, minha mãe tinha passado a maior parte da vida construindo o mesmo estilo de vida.

banksy

Eles foram embora, minha mãe fez as contas e decidiu que eles eram a aposta certa. Ela concordou em deixar os animais, mas não o sofá, o que significa que Banksy gosta muito de animais ou que a bússola ética da minha mãe é meio defeituosa.

Vendemos tudo, mudamos para um condado diferente, mas mantivemos correspondência com o Sr. e a Sra. Banksy. Eles nos informavam sobre os animais, quando alguma ovelha morria (algumas bateram as botas estranhamente rápido), nos mandavam cartões-postais, coisas assim. E todo ano, quando assistíamos ao Bafta na televisão, dizíamos incorretamente para os amigos que o cara que tinha feito aquelas cabeças tinha comprado nossa casa. Era uma relação tranquila até o dia em que um oficial de justiça bateu na porta deles devido a uma multa não paga que minha mãe recebeu por dirigir acidentalmente pela faixa de ônibus - eles sempre mandavam nossa correspondência, mas perdemos a carta do Departamento de Trânsito e agora o cara na porta deles queria dinheiro.

É o suficiente dizer que a capa de Banksy voou e ele ligou para a minha mãe que, na época, estava vivendo numa caravan no jardim de sua nova casa, uma ligação que coroou uma fase especialmente sombria da vida dela. Mais tarde, fizemos piadas que ele podia ter dado umas folhas de ouro para o cara e o mandado embora. Como a gente riu! Idiotas. Mas conseguimos resolver as coisas amigavelmente e continuar com nossas vidinhas ignorantes.

Às vezes, passávamos na frente da casa por razões nostálgicas e, em uma vez, os vimos estacionando seu Volvo. Quando vimos o carro deles, paramos para dizer oi. Agora, para nós, era óbvio que estávamos apenas sendo simpáticos, mas dizer que eles surtaram como um traficante de crack vendo a polícia chegar não fica muito longe da verdade. Em segundos, a Sra. Banksy virou o Kevin Costner, fazendo um escudo humano na frente do marido no carro. Aí ela percebeu que éramos nós e se acalmou, e conversamos inocentemente sobre as ovelhas. A Sra. Banksy até nos convidou para tomar chá. Mas, num movimento idiota - porque minha irmã precisava mijar -, recusamos.

Foi a última vez que vimos os Banksys.

Cerca de quatro anos depois, minha mãe recebeu um telefonema de um jornal local. Sem surpresa, o dito jornal tinha uma equipe de repórteres tentando descobrir quem era o cara, o que só prova, se é que precisamos de provas, que diploma de jornalismo é conversa fiada. O cara encheu minha mãe de perguntas pelo telefone por uns 20 minutos, sendo condescendente pacas e dizendo para ela "procurar no Google" e "dar uma olhada na foto de [...]", antes de explicar os fatos que o levavam a acreditar que aquele cara era o Banksy, o que ele apoiou com uma série bastante efetiva de fatos.

Felizmente, o que falta na minha mãe em preocupação com o bem-estar dos animais sobra em bom senso, e ela contou muito pouco para o cara. Em vez disso, ela desligou o telefone e escreveu uma carta para Sra. Banksy, que ficou muito grata. Aí minha mãe ligou para o fazendeiro que morava no final da estrada, que costumava ajudar com as ovelhas e que ocasionalmente matava uma quando as coisas estavam apertadas na casa dele, que disse saber quem ele era todo esse tempo. Porque ele, como quatro de cinco pessoas da área, tinha uma vontade inexplicável de proteger o cara. Logo ficamos sabendo que o Sr. e a Sra. Banksy tinham desaparecido. Eu diria que a última gota foi que minha mãe não me contou isso até meses depois, porque sou uma jornalista e obviamente não existe confiança assim entre uma mãe e a filha mais nova.

Claro, foi falta de sorte para os Banksys supostamente terem comprado a casa de uma mulher cuja filha é jornalista. Mas, como não trabalho para uma organização de direita, foi só agora, anos depois, com os Banksys há muito sumidos, que estou escrevendo sobre isso. Imagine ter guardado esse segredo! Não que eu tenha - essa porra é pura dinamite social. Ainda assim, agora que ele está escondido e seguro num novo lugar, vou vender a história, principalmente porque eu não queria ter deixado as ovelhas lá.

Tradução: Marina Schnoor


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