Folha de S. Paulo


Repórter tira a roupa em restaurante naturista em Paris e conta como é

Cai uma chuva fina e apesar da temperatura estar longe das alcançadas num fim de outono normal, faz frio em Paris. Em frente ao recém-aberto restaurante O'Naturel, numa rua escura do residencial 12º distrito da capital francesa, me pergunto se a sensação será a mesma quando adentrar o local e tiver de tirar toda a roupa para uma experiência inédita para mim: jantar como vim ao mundo, sob o olhar de outros clientes –igualmente nus.

Primeiro e único restaurante naturista de Paris, o O'Naturel abriu há cerca de três semanas e viralizou como um meme de internet desde que o jornal francês "Le Parisien" publicou uma reportagem sobre o restaurante, onde ficar pelado é a regra.

Do lado de fora, apenas uma placa com o nome da casa sobre um pano de fundo indica que o local fica ali, no térreo de um prédio moderno, vizinho de porta de uma creche comunitária. Toco a campainha e Stephane Saada, 42, abre a porta de vidro, coberta com uma cortina. Para preservar a intimidade dos clientes, as cortinas se multiplicam no caminho entre a rua e o salão onde a comida é servida.

No pequeno espaço de entrada, de cerca de quatro metros quadrados, e enquanto ainda estou vestido, Stephane me conta que após 20 anos no setor de seguros, ele e o irmão gêmeo, Mike, decidiram largar tudo e abrir o restaurante. A ideia de tornar a casa naturista nasceu quando os dois ouviram falar da inauguração de um espaço dedicado ao naturismo no Bois de Vincennes, uma das duas grandes áreas verdes de Paris, também no 12º distrito. Local onde fica a única piscina pública da cidade dedicada a quem gosta de ficar pelado socialmente, a região é conhecida como o "polo naturista" da capital francesa.

Enquanto conversamos, a campainha toca. Stephane pede licença e vai abrir a porta. Quando volta, me diz que o serviço vai começar. Os primeiros clientes estão chegando e eu devo jogar o jogo. Mike me entrega um par de pantufas brancas e abre a cortina de um pequeno vestiário, ao lado da entrada. Devo me despir e colocar todas as minhas roupas e pertences em um dos armários à disposição dos clientes. Não é permitido entrar com telefones celulares ou câmeras fotográfica no local.

Ao meu lado, um jovem austríaco já está sem camisa e pronto para tirar a calça. Ele me dá boa noite. Eu respondo e explico que sou repórter. Pergunto se ele já tinha estado no local. "Não, mas já tive uma experiência parecida em Londres", conta, ao falar de um restaurante parecido, mas efêmero, aberto na capital britânica no verão do ano passado.

Depois de trancar meus pertences no armário, entro na sala ainda vazia, vestindo apenas as pantufas e os óculos. O fato de estar nu não me perturba, mas me sinto um pouco idiota quando percebo que estou de óculos. Se é para ficar pelado, que seja completamente. A miopia não me impede de ver a decoração, que Mike explica ainda não estar totalmente pronta –a reportagem do "Le Parisien" colocou os gêmeos num turbilhão de sucesso e as coisas vão entrando no lugar aos poucos.

Uma das paredes é pintada de um azul anil, as outras são brancas. Ao fundo, um bar funciona de base para os gêmeos Saada controlarem a sala. A iluminação é fria e forte, mas deve ser trocada em breve, para tornar o ambiente mais intimista. No entanto, Mike diz que a ideia é manter a aparência de um restaurante normal como os frequentados por pessoas que comem vestidas. Os dois —únicas pessoas junto com o chef e o ajudante de cozinha a estarem vestidas– afirmam que são muito atentos a clientes com segundas intenções. O espírito do O'Naturel deve ser o mesmo encontrado na comunidade naturista e o fato de todos estarem nus não deve implicar comportamentos com conotação sexual.

Escolho uma discreta mesa de canto, de onde posso ver os clientes entrando na sala. Insisto na minha cabeça que a escolha foi feita por motivos jornalísticos, mas ao mesmo tempo me sinto protegido naquele lugar.

Quando recebi a incumbência desta Folha para fazer uma reportagem sobre um restaurante onde se come nu, a primeira coisa que me veio à cabeça foi a higiene do local. Sentar onde outro cliente acabara de levantar o seu traseiro não me parecia a melhor maneira de começar um jantar. Mike me mostra que, para resolver o problema, todas as cadeiras são cobertas com um forro, trocado a cada vez que um comensal deixa o local.

O austríaco do vestiário entra logo depois de mim. Ao mesmo tempo, a campainha volta a tocar. São oito horas da noite e a moça que ele havia convidado para jantar chega ao local. De onde estou, posso ouvir que o casal Michel e Marie de Korgomat, com quem cruzei ainda na calçada em frente ao restaurante, também entrou.

Ambos estão acompanhados de um amigo. Os três comemoram o aniversário de 67 anos de Michel, um aposentado que se diz naturista "desde o ventre" de sua mãe. Em clima festivo, eles entram vestindo apenas gravata borboleta. Pedem champanhe e oferecem uma taça à única pessoa que está no local: este repórter –nesse meio tempo, o austríaco levantou-se da mesa e foi ter com a amiga, que acabara de descobrir que sua menstruação havia chegado. Apesar da oferta de Stephane para que ela usasse apenas calcinha, a moça prefere desistir do jantar e diz que voltará em outro dia.

O O'Naturel tem um cardápio de comida francesa e oferece dois menus. Por 49 euros, pode-se pedir entrada, prato principal e sobremesa. Por 39 euros, escolhe-se entre entrada e prato ou prato e sobremesa. Fora do menu, os pratos principais têm preço único de 32 euros.

Peço uma salada de lagosta com miúdos de pato como entrada, seguida de costelas de cordeiro com cebolas e tomates confitados. A sobremesa será um crumble invertido com geleia de tangerina e mascarpone ao limão. As porções são generosas e a comida, correta. Apesar de ser um restaurante, a experiência no O'Naturel não é gastronômica, mas sensorial.

Quando a entrada chega, coloco o guardanapo no colo e penso em como um pedaço de pano passa a ter uma importância maior quando algumas partes do corpo correm certo risco à mesa. O fato de limpar a boca e levar o guardanapo sujo de volta ao colo me incomoda um pouco. Não há o que fazer, ou protejo as partes ou me arrisco sujá-las.

Enquanto como as costelas de cordeiro, a campainha volta a tocar. Desta vez, risos nervosos vêm do vestiário. Poucos minutos depois, um grupo de seis jovens, composto de americanas e australianas, abre a cortina. Algumas estão visivelmente incomodadas e cobrem os seios e o meio das pernas com as mãos. Outra veste apenas um chapéu de pele. A fama relâmpago do O'Naturel já ultrapassou as fronteiras francesas. Turistas, naturistas ou não, reservam mesas todas as noites para passar pela experiência de jantar pelado –um casal de ingleses é esperado para fevereiro, me conta Stephane, enquanto serve o café que coloca fim ao meu jantar.

Como se entra com uma mão na frente e outra atrás no salão, a conta é paga no pequeno hall de entrada. Volto a ficar pelado na frente de todos quando levanto da mesa e sigo até o vestiário. Depois de pagar e me despedir de Stephane, ganho a rua novamente. Vestido com algumas camadas de roupa, volto a sentir o incômodo frio de fim de outono em Paris.

*

RESTAURANT O'NATUREL
Onde: 9, rue de Gravelle 75012, em Paris
Quando: de terça a sábado, a partir das 19h30. Último serviço às 21h45. É preciso reservar lugar, o que pode ser feito on-line


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