Folha de S. Paulo


Melhor restaurante latino, peruano Maido é um investimento

O feriado da Semana Santa se aproxima e duas coisas sobre Lima se tornam óbvias pelos insistentes alertas de quem já passou por lá: não alugue carro, faça reserva para os restaurantes.

Nos dois casos, confie nas dicas. Carros numa cidade em que quase todos eles funcionam como táxi são desnecessários. Reservas numa cidade de restaurantes excepcionais são fundamentais.

O badalado Central é a primeira opção, mas não abre no feriado porque.. não abre no feriado. Maido, seu mais próximo perseguidor nas listas de melhores, abre e aceita a reserva da mesa.

Até aqui é o segundo do Peru, o segundo da América Latina, 13º do mundo. Cozinha nikkei, ou restaurante japonês de uma geração já nascida e criada peruana.

A soma de Peru, supostamente o país em que mais se come peixe no mundo, e imigração japonesa é uma das coisas que fazem da comida local algo fora do comum. A grosso modo, Lima é como São Paulo, ilhas de prosperidades entremeadas por bolsões de pobreza, mas encarapitada em cima de uma falésia de frente para o Pacífico.

Maido fica em Miraflores, bairro dos ricos, algo como o paulistano Jardins. Um sobrado não muito grande, que passaria quase despercebido não fosse pela plaquinha da "50 Best" no portão. O desenho do ambiente é sofisticado, mas ganha um ar familiar com os gritos vindos da cozinha e a conversa dos diversos chefs no balcão de sushi.

De quando em quando, alguém que sobe pelas escadas é recebido por gritos de "Maido, Maido", algo como bem-vindo em japonês. E a sensação é mais ou menos essa.

Premeditada, a escolha da mesa é o curso de 13 pratos chamado 200 Millas, milhas em português, nome que o jornalista de folga esqueceu de apurar a origem. Menu com "maridaje", o termo em espanhol para harmonização, bem mais divertido.

E que começa bem. Saquê leve e aromatizado casado com a entrada de pequenas porções de várias coisas instaladas em cima de uma pedra marinha do tamanho de uma bola de futebol.

Conjunto que soa exótico apenas até o primeiro bocado: pastel de cebola, tartar de linguado, peixe-rei defumado e masago (ovas).

O segundo: crocante de shari (arroz), abacate, ovas e panceta de truta, papel e gel de ponzu (molho ácido de limão, diz o Google, a quem o comensal amador apela diante da culinária trilíngue).

Os pratos seguintes parecem mais tradicionais, cebiche de poda e dim sum.

A normalidade vai embora com a descrição. Creme de sarandajas (espécie de feijão), cavala, échalotes, ají limo (pimenta), cancha (tipo de milho) e leite de tigre nikkei compõem o primeiro. Já o bolinho chinês é na verdade uma versão do local cau cau, com frutos do mar no lugar da carne e quinua branca.

O quarto prato é uma provocação. Um pequeno choripan, o tradicional sanduíche argentino, com chouriço feito de peixe e polvo. Só que com gosto de linguiça, num meticuloso esforço de transformar uma comida em outra, no sabor, na consistência, na forma, em tudo.

Esse é o ponto, curiosamente, onde a ourivesaria do chef Mitsuharu Tsumura deixa de ser uma surpresa.

A refeição entra em uma espécie de altitude de cruzeiro e venha o que vier, já se sabe, a experiência será nada menos que excepcional.

De um simples pescado do dia, encimado por um ovo mole, a um delicado bacalhau marinado em missô.

Traduzir perde o sentido: cebiche de lapas; tamalito de arroz, camarones salteados, criolla, reducción de chupe; pesca del día, reduccíon de sudado, algas; arroz chiclayano, erizos de Atíco, creme de palta, wan yi, choco bebe.

As sobremesas, na sequência, vêm aeradas, nitrogenadas, coloridas. Com formas que quase sugerem não comer, não desmanchar a composição do prato, ideia que se esvai logo em seguida.

Afinal, o investimento é muito alto (algo como R$ 600 por cabeça), mesmo depois de o Maido dar aos viajantes do feriado uma espécie de retorno: na mais recente lista da "50 Best", passou à primeira colocação entre os melhores da América Latina. E, no mundo, agora é o oitavo.

O Central, na mesma lista, é o quinto. Fica para a próxima viagem. Se estiver aberto.


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