Folha de S. Paulo


Ilha de Marajó ainda é o paraíso dos diários de 1927 de Mário de Andrade

Os búfalos e os carapanãs já chamavam a atenção na ilha do Marajó, em 1927, quando lá esteve o escritor Mário de Andrade, em sua visita de "descobrimento do Brasil".

Mário saiu de Belém rumo a Marajó na manhã de 29 de julho, na lancha Ernestina, como anotou em seu diário. "Pelas oito, tomamos a barca Tucunaré, menorzinha, e entramos pela boca do rio Arari", escreveu. "Marchas e paradinhas. Santana. Cachoeira. Paraíso com seus búfalos".

Santana era o nome da única fazenda que havia por lá, cuja casa-sede foi fotografada e desenhada pelo modernista. Nela, Mário pernoitou com a cara "emporcalhada" de uma pomada inglesa, feita com citronela de java, para matar os mosquitos. "É um desespero", disse. "Bilhões, bilhões de carapanãs."

Nada disso, porém, tirou o encanto da viagem, sobretudo pela profusão de aves. "Não se descreve, não se pode imaginar", registrou Mário em sua caderneta. "São milhares de guarás encarnados, de colhereiras cor de rosa, de garças brancas, de tuiuiús, de mauaris. E a beleza de Marajó com sua passarada me derrubou no chão."

As aves permanecem e a viagem, hoje, tornou-se bem mais simples desde que a lancha Golfinho passou a ligar Belém a Marajó em apenas duas horas. A aventura maior fica por conta da estadia na ilha, que não dispõe de uma estrutura apropriada para o transporte interno.

A vila mais procurada pelos turistas é Soure, onde atraca a lancha. De lá, pega-se um táxi ou uma mototáxi para pousadas e passeios. Os preços são altos: a corrida de ida e volta para a praia do Pesqueiro, a mais visitada, sai por R$ 70 no táxi e R$ 30 na moto (sem capacete -o equipamento é completamente esquecido na ilha, desde que o governo do Pará aboliu a fiscalização).

Outra opção de praia é Barra Velha. Mais próxima do centro, ela tem uma pequena extensão de areia -no último inverno a maré invadiu quase toda a orla- espremida entre o rio e o manguezal.

No centrinho da vila funcionam apenas dois restaurantes, o Ilha Bela e o Patu-Anu, onde se pode saborear o filé marajoara, coberto com muçarela de búfala da região.

Marajó, como definiu Mário de Andrade, é outra espécie de paisagem amazônica. E é talvez ali o lugar onde se pode contemplar a natureza tal qual ela estava na visita do escritor 90 anos atrás. Ou muito próximo disso. Com ingazeiras que ainda cobrem as margens do rio e os campos imensos, "de um verde claro intenso", registradas em sua caderneta.

CARIRI

Na Amazônia, depende-se de barco para tudo e é assim que funciona a vida em Barcarena, cidade distante 20 quilômetros de Belém.

Até o transporte escolar funciona por meio de uma embarcação, que recolhe as crianças nas vilas ribeirinhas e as leva para a sala de aula.

De Barcarena parte o barco com destino à cidade de São Francisco, de onde o visitante pode pegar uma van e percorrer um pequeno trecho terrestre que leva até a praia de Caripi, visitada por Mário de Andrade em 1927.

Banhada pelo rio Pará, Caripi tem um pequeno e simpático píer e uma vegetação exuberante. Pequenas barracas oferecem conforto ao turista, com cerveja gelada e peixe frito na hora. Isso hoje.

Em 1927, o escritor fez a sua refeição a bordo do barco e só desceu para o banho de rio.

"Maravilhoso passeio ao Caripi. Que adianta dizer maravilhoso. Não dá a entender o que foi, não posso descrever. Almoço lá, banho."

Maria Mourão, 89, conhecida como Maroca, a primeira moradora de Caripi, conta que quando Mário de Andrade esteve por lá o povoado ainda não existia, só uma fazenda de mesmo nome.

"O dono era um francês e somente em 1931 meu marido ergueu a primeira casinha da vila, onde moro até os dias de hoje", afirma Maroca.

A casa, em madeira de lei, tem uma sala e um quarto e foi erguida sobre uma estrutura que impede a entrada das águas na maré cheia.

Já os turistas chegaram apenas nos anos 1970.


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