Folha de S. Paulo


Lagosta é isca para turistas no sul da Bahia e tem festival próprio

A lagosta, nobre crustáceo de ares jurássicos, que pode viver mais de cem anos e é capaz de adquirir uma sensual coloração alaranjada brilhante quando cozida, ganha atenção especial nos tranquilos vilarejos da Costa do Descobrimento, no sul da Bahia.

A região, na qual desembarcou Pedro Álvares Cabral em 1500, segue preservada e rústica. E serve de cenário para o "festival da lagosta", no qual restaurantes criam receitas com o ingrediente.

O que hoje ganha reforço da Secretaria de Turismo para atrair turistas fora da alta temporada, nasceu em 2016 de um projeto do resort Costa Brasilis, em Santo André, uma baía com menos de 800 habitantes acessada por balsa e formada no encontro entre o rio João de Tiba com o mar.

A ação começou com dez estabelecimentos restritos a esse povoado. Na segunda edição, neste ano, reuniu, de 7 a 10 de setembro, 27 restaurantes, para além das fronteiras de Santo André. Estendeu-se para praias vizinhas.

Não se trata de um festival comparável ao do Maine (nos Estados Unidos), que atrai mais de 80 mil pessoas por edição e registra consumo de 12 mil quilos de lagostas.

Mas os números mostram crescimento. Segundo a prefeitura de Santa Cruz Cabrália, em 2016 foram pescadas seis toneladas de lagosta ao longo do ano e, em 2017, meia tonelada foi vendida apenas em quatro dias de evento –que antecede o defeso, período em que a pesca é proibida.

TOUCINHO NA GAIOLA

Para atrair a cobiçada lagosta em alto-mar, a cerca de 50 quilômetros da costa, os pescadores de Cabrália usam toucinho de porco. Veja, são animais comedores de "coisas mortas, embora também comam um pouco de moluscos vivos, certos tipos de peixes machucados e por vezes umas às outras", como registrou o escritor norte-americano David Foster Wallace (1962""2008) no texto "Pense na Lagosta".

Nesse mesmo ensaio, o romancista relembra que o crustáceo era alimento típico da classe baixa no século 19. "Até mesmo no rude ambiente penal dos primórdios da história americana algumas das colônias tinham leis limitando o uso de lagostas na alimentação dos detentos a uma única vez por semana, porque isso era julgado cruel e incomum, semelhante a obrigar pessoas a comer ratos."

Pois hoje é objeto de desejo: cara e associada ao luxo.

Para capturar lagostas, diz o ex-pescador João Maria Gomes da Silva, 42, o Pepe, dono de embarcações no sul da Bahia, é comum o sujeito afastar-se da costa e deixar, em alto-mar, gaiolas com toucinho ("elas gostam de comer o que é bom") submersas da noite para o dia, a cerca de 40 metros abaixo da superfície.

Cada um de seus barcos administra cerca de 50 gaiolas, com um metro e meio de altura cada, das quais são retirados os animais vivos e imediatamente acomodados em caixas com gelo e água, "para não perder a qualidade". Um exemplar pesa em média 350 gramas.

LEVE ADOCICADO

De lagostas frescas é extraída uma carne branca, delicada e de sabor levemente adocicado. Ficam mais intensas se cozidas com casca, explica o pesquisador Harold McGee em seu "Comida e Cozinha".

Também toleram bem o congelamento e, por isso, faz-se estoques para abastecer o mercado na época da pesca proibida, entre dezembro a maio, no Brasil.

Kaled Mansur, chef nascido em Patos de Minas (MG), e hoje aportado em Santo André, elaborou um cardápio extenso em homenagem à lagosta com elementos locais como chutney de coco, frutas e manteiga de caju.

No Costa Brasilis, o mais antigo resort do vilarejo e casa da seleção alemã na Copa de 2014, se destaca a lagosta flambada na manteiga com vinho branco, suco de caju e coulis de manga (R$ 87).

Nas cercanias, na pousada Corsário, Mikie Iwakiri realça o crustáceo em receitas de R$ 38 a R$ 53.

"Tentamos manter o sabor original. Tudo está tão sofisticado que daqui a pouco vamos voltar a alimentos mais simples."

Ela prepara a lagosta grelhada em manteiga de garrafa e sálvia com ninho de abobrinha e purê de batata-doce.

Mikie entende o festival como uma "oportunidade de os cozinheiros pensarem em pratos novos, mais criativos".

Pois, com isso, Maria Nilza Rosa Soares preparou lagosta pela primeira vez aos 70.

Em seu restaurante, na praia de Guaiú, criou a "lagosta amorosa" –salteada em cubos no azeite com alho, combinada com manga e abacaxi in natura e purê de banana-da-terra, polvilhada com cacau granulado.

E como você criou o prato? "Tem uma coisa que aprendi. Quem tem dinheiro paga para outro pensar. Quando você não tem, você pensa."

A jornalista viajou a convite do resort Costa Brasilis


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