Folha de S. Paulo


Ilha de Hvar, na Croácia, cansou da bagunça e dos turistas bêbados

A ilha de Hvar, na Croácia, tem uma mensagem para os turistas que chegam neste ano: comportem-se.

Homens devem ficar de camisa, alertam cartazes expostos nas ruas da ilha –ou poderão ser multados em 500 euros (R$ 1.875). Comer, beber ou dormir em lugares públicos pode resultar em multa de 700 euros (R$ 2.626).

Mensagens semelhantes foram incorporadas ao vídeo informativo exibido na balsa que conduz os visitantes do continente à ilha e também a folhetos distribuídos no cais.

"Somos geneticamente inclinados ao turismo", diz Riki Novak, prefeito da principal cidade da ilha, também chamada Hvar. "Mas esse atual turismo de festa não é algo que desejávamos."

O destino é buscado hoje principalmente por jovens que querem beber e comemorar, como uma Ibiza no mar Adriático. Prefeito e moradores reclamam dos barcos lotados que aportam na ilha, das casas noturnas que só fecham pela manhã e dos albergues repletos de mochileiros embriagados que perambulam pelo destino -uma ilha com população permanente de cerca de 11 mil pessoas.

Os turistas responderam por cerca de 700 mil diárias nos hotéis de Hvar em 2016 e por mais de 280 mil visitas diurnas, sem o pernoite, o que injetou milhões de euros na economia local -em uma onda de turismo que vem crescendo entre 7% e 10% ao ano nos últimos cinco anos.

Os primeiros sete meses de 2017 demonstraram alta de 20% na chegada de visitantes ante o mesmo período de 2016 e um aumento de 10% nas estadias de um dia ou mais.

"O problema é que muitos de nossos hóspedes de temporadas mais longas, que costumavam vir em seus iates e alugavam grandes casas de férias, não apreciam mais a ilha. Estão buscando outras opções", diz Novak.

Principalmente porque à noite a cidade pode se tornar uma balbúrdia cheia de gente embriagada, sem roupa, fazendo barulho até tarde.

Há oito anos, não havia albergues para jovens na ilha, diz Paul Bradbury, britânico radicado no local. Hoje, existem mais de 30. "No passado havia galerias de arte ao longo do píer", conta. "Agora, só existem bares."

A campanha contra o turismo desenfreado foi criada pela prefeitura e por proprietários de empresas locais e veiculada a partir de junho. Até agora, a polícia conseguiu manter a ordem por meio de advertências, afirma George Buj, membro do Conselho de Turismo de Hvar, e ninguém foi multado.

A grande questão é o impacto dessas ações na economia da Croácia, cada vez mais dependente do turismo. Liubo Jurcic, presidente da Associação de Economistas Croatas, afirma que idealmente o turismo deveria responder por cerca de 10% do PIB (Produto Interno Bruto) do país. Estimativas recentes avaliam a participação em 18%.

CORPOS CAÍDOS

Foi em 1999 que Hvar entrou para o mapa do turismo, quando foi inaugurada a Carpe Diem, primeira casa noturna de luxo local, com uma praia privativa. A abertura de outras casas noturnas, que se espalharam pela cidade, fez com que a idade média dos visitantes da ilha começasse a reduzir, e os turistas se tornassem mais desordeiros.

No evento Yacht Week, por exemplo, centenas de visitantes descem a costa da Dalmácia até Hvar três vezes por semana, sempre bebendo.

"Eles chegam às 17h, em grupos de 300 ou 400 pessoas que passam o dia bebendo", lamenta Bradbury. "Bebem ainda mais quando chegam à cidade e saem vagueando pelas ruas. À meia noite, entram no barco e vão à Carpe Diem ou a alguma outra casa noturna."

Katia Zaninovic Dawnay, 57, trabalha em uma agência de imóveis na ilha e reclama que no verão é desagradável caminhar pela cidade velha, onde não é raro tropeçar em corpos caídos pelas ruas, dormindo ou bêbados. "Ninguém quer acordar e descobrir que alguém urinou na soleira de sua porta", diz.

VISITANTES FAMOSOS

Hvar não é o único destino turístico europeu a repensar as imensas ondas de visitantes que as passagens aéreas de baixo preço passaram a levar a esses lugares.

Veneza, por exemplo, limitou o número de navios de cruzeiro que a cidade recebe. Em Barcelona, o prefeito permitiu que La Boquería, o maior mercado de comida da cidade, recusasse a entrada de grandes grupos oriundos de excursões, o que acaba congestionando os corredores estreitos do local.

Mas as multidões continuam a crescer na Croácia e em muitos desses destinos, talvez em parte porque ataques terroristas levaram alguns visitantes a abandonar resorts antes populares no norte da África e no Oriente Médio. Ondas recentes de refugiados também levaram alguns turistas europeus a evitar ou encarar com cautela os hotéis da Grécia e da Itália.

"Por causa de alguns problemas de nossos vizinhos, muitos viajantes agora vêm para cá", diz Eduard Andric, 66, presidente da União de Turismo e Serviços da Croácia. "No ano passado, houve um recorde de visitas. Neste ano, parece que esse número será batido mais uma vez."

A ilha foi por décadas um ponto de parada querido por iatistas de verão e celebridades de todo o planeta.

Depois de abandonar o trono britânico por causa da mulher que amava, o ex-rei da Inglaterra Eduardo 8º (1894-1972) e sua companheira passaram por lá para nadar, em 1936. Jacqueline Onassis, mais conhecida como Jackie Kennedy (1929-1994), visitou a ilha pouco depois do assassinato do presidente americano John Kennedy, em 1963. O casal Jay-Z e Beyoncé, o ator Tom Cruise, o cineasta Orson Welles (1915-1985), o líder da banda U2, Bono Vox, e outros famosos também passaram por lá.

Não que esse turismo de luxo tenha deixado de existir. No ano que vem, devem ser inaugurados três hotéis em Hvar, todos eles resorts cinco estrelas, os primeiros da ilha.

É um movimento que vem desde a criação da Associação Higiênica de Hvar, em 1868, que estimulou uma rápida construção de hotéis, restaurantes e outras acomodações no local -que se tornou referência turística.

Tanto que eventos como o Ultra Europe, um festival de música na vizinha Split, usa Hvar como base para as festas pós-shows e mantêm o arquipélago lotado nos meses de verão europeu.

Só que Hvar começa a reconhecer que nem todas as formas de turismo são iguais. "A ideia é não ter tantas pessoas", diz Zaninovic Dawnay, 57, que trabalha em uma agência de imóveis. "O objetivo é ter menos pessoas, mas que gastem mais."

"Quando alguém vem a Hvar, a expectativa é encontrar uma cidade culta, de qualidade", afirma Senka Halebic, 31, porta-voz do Hula Hula, um dos mais populares clubes de praia local. "Essa moçada dorme em albergues e bebe álcool direto da garrafa por toda cidade. Os hóspedes exclusivos que chegam em grandes iates não querem ver jovens bêbados dormindo no píer pela manhã."

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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O que saber sobre a Croácia

Onde fica Hvar, Croácia

CAPITAL Zagreb (a cerca de 460 km de Hvar)
MOEDA Kuna (1 = R$ 0,51)
IDIOMAS Croata, sérvio, húngaro e italiano
FUSO HORÁRIO + 4 horas em relação a Brasília (país está em horário de verão, o que aumenta a diferença em uma hora)
POPULAÇÃO 4,3 milhões (2011)


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