Folha de S. Paulo


Análise

Cidade se impõe como cenário ou ameaça desde o primeiro livro

Nápoles é o cenário principal da tetralogia que deu fama a Elena Ferrante e que não por acaso é chamada de série napolitana.

Mas a cidade tem uma presença tão forte nos outros livros de Ferrante que talvez a última coisa que se questione a respeito da identidade da pessoa sob o pseudônimo seja sua naturalidade.

Pensou-se por um tempo que Ferrante fosse o ficcionista Domenico Starnone.

Depois, uma vasta investigação, conduzida pelo jornalista italiano Claudio Gatti, concluiu que, na verdade, Ferrante seria a tradutora Anita Raja –mulher de Starnone e, como ele, napolitana.

Raja não confirmou nem desmentiu. Pouco importa.

Seja quem for que tenha escolhido assinar como Elena Ferrante conhece profundamente Nápoles; pois quem se aventuraria a descrever os meandros de um bairro fora do eixo turístico, como Sanità ou o Rione Luzzatti, sem ter por eles trafegado?

Desde o primeiro romance, "Um Amor Incômodo, Nápoles se impõe, fisicamente ou como ameaça do passado.

Na trama do livro de estreia, a protagonista, Delia, volta de Roma, onde vive, a Nápoles, onde nasceu, após sua mãe, que ia visitá-la, morrer afogada numa praia.

Nesse romance já estão as bases da relação da autora com a cidade. Aparecem ali as primeiras descrições do que seria "o bairro" jamais nomeado, com seus prédios, sua esqualidez, seus porões.

Surgem também outros cenários napolitanos mais perto dos roteiros turísticos convencionais e menos privilegiados na tetralogia, sobretudo a orla marítima e o centro.

Em todos os livros, Nápoles, porém, é mais do que um cenário físico. Ela é a origem irrevogável que ressurge em situações-limite na vida dessas protagonistas.

Assim como Delia se transmuta parcialmente em sua mãe ao se confrontar com sua memória, também a Olga do torturante "Dias de Abandono" luta contra sua referência de mulher napolitana.

Um Amor Incômodo
Elena Ferrante
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Vivendo em Turim, teme se tornar a vizinha que, na sua infância, gritava em dialeto as dores do amor desfeito.

Por fim, no belíssimo "A Filha Perdida, Leda luta contra as raízes que tão bem escondeu para se tornar uma bem-sucedida professora e que ressurgem no encontro, durante umas férias, com uma ruidosa família napolitana que a fascina e repugna.

Pobre, barulhenta, mal-educada, miserável, ignorante, a Nápoles de Ferrante é, mais do que tudo, uma cidade da qual não se escapa.

*

UM AMOR INCÔMODO
TRADUÇÃO Marcello Lino
EDITORA Intrínseca
QUANTO R$ 34,90 (176 págs.); R$ 22,90 (e-book)

DIAS DE ABANDONO
TRADUÇÃO Francesca Cricelli
EDITORA Biblioteca Azul
QUANTO R$ 39,90 (184 págs.); R$ 27,90 (e-book)

A FILHA PERDIDA
TRADUÇÃO Marcello Lino
EDITORA Intrínseca
QUANTO R$ 34,90 (176 págs.); R$ 19,90 (e-book)


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