Folha de S. Paulo


Lublin é uma encruzilhada de culturas na Polônia 'lado B'

Com uma população de 700 mil habitantes na área metropolitana, Lublin é a principal cidade do leste polonês. Esta parte do país é chamada, pelos próprios habitantes, "Polônia B" –é o lado que, mesmo após a queda do comunismo, não buscou uma maior ocidentalização, permanecendo mais eslavo.

É um dos segredos bem guardados do país. Seu centro histórico inclui arquitetura antiga polonesa e está inteiramente preservado. Sem automóveis circulando e sem turismo de massa, o ritmo da cidade não tem nada de frenético e lhe confere uma aura "oriental" (pelo menos no sentido europeu da palavra).

Suas maiores atrações são a capela real da Santíssima Trindade (no interior do castelo real), o próprio castelo, os pórticos de Cracóvia (via de entrada no calçadão da cidade velha) e dos Judeus, e o museu do antigo campo de concentração de Majdanek, nos arredores da cidade.

O Castelo Real e a Capela da Santíssima Trindade ficam na saída norte do centro velho, passando pelo Pórtico Grodzka, também conhecido como Portão dos Judeus, por servir de passagem entre o bairro hebreu e a cidade velha, e podem ser facilmente alcançados a pé a partir do centro.

No pátio do castelo estão a torre românica, do século 12, e a Capela Real, que data do início do século 15. Seu interior exibe afrescos únicos, num estilo eclético que conjuga influências das tradições artísticas bizantinas, russas e católicas.

O Pórtico de Cracóvia, na entrada da cidade velha, tem este nome por ser o início da antiga estrada para Cracóvia. É uma das entradas originais da cidade, erguida em estilo gótico no século 14. É um dos principais ícones de Lublin e a partir dele se pode, pela rua Krakowskie Przedmie[cie, aproveitar o calçadão de pedestres com bares e restaurantes, sorveterias, lanchonetes e outras atrações.

Lublin tem uma atmosfera mais oriental do que Varsóvia, Cracóvia ou Wróclaw, de fato, constitui uma ponte da Polônia estendida para a Europa oriental, incluindo especialmente a Rússia, a grande potência do Leste Europeu. Por sua localização estratégica, Lublin tem sido historicamente uma encruzilhada de diferentes culturas e povos. O maior tesouro artístico da cidade, a Capela Real, é um exemplo disso; seus afrescos têm um estilo único, com aportes de diversas procedências.

Não por acaso, Lublin foi um destacado centro do Judaísmo europeu. Desde os primórdios da Polônia, no século 10, até meados do século 17 que as comunidades judaicas gozaram de liberdade de culto e autonomia social. A Polônia era conhecida como "Paradisus Iudaeorum", o paraíso dos judeus.

Daí até a invasão nazista, em 1939, o país abrigou a maior comunidade judaica do mundo e foi um território privilegiado de tolerância religiosa na Europa. Ademais, era um centro teológico e espiritual notável; a yeshivá (escola tradicional mosaica) mais prestigiosa de então ficava em Lublin. Estudantes de todo o continente afluíam à cidade para estudar; Lublin era conhecida como a "Oxford hebreia".

Três milhões de judeus viviam na Polônia nas vésperas da Segunda Guerra. O nazismo eliminou um quinto da população polonesa (cerca de 6 milhões), metade (3 milhões) judeus polacos. Mas, embora o racismo antijudaico tenha se manifestado em especial na Polônia ocupada pelo nazismo, houve pouco "colaboracionismo" de seus cidadãos. Agrupados por nacionalidade, os poloneses foram os que mais resgataram judeus durante a agressão nazista, segundo dados do Museu do Holocausto de Jerusalém (Yad Vashem).

O histórico polonês é o mais positivo dos países ocupados; a Polônia nunca organizou divisão autóctone da SS e poloneses tampouco trabalharam como guardas em campos de concentração. Como notou o jornalista Michael Moynihan, da revista judaica norte-americana Tablet, "é inegável que a nação polonesa não foi cúmplice do Holocausto, que o país resistiu ferozmente à invasão e ocupação, que a Polônia não se envolveu na matança massiva de judeus e que os poloneses frequentemente mostraram enorme coragem moral ao proteger cidadãos judeus".

Desde o colapso do regime comunista na Polônia, em 1989, tem havido um renascimento da cultura judaica no país, com destaque para a sinagoga Nozyk e o Museu da História dos Judeus Poloneses.

Lublin traduz em forma de cidade a ideia da convivência das diferenças, sejam elas religiosas, nacionais ou culturais. A tolerância faz parte de seus alicerces.

De Varsóvia, a melhor maneira de chegar a Lublin é por trem; são apenas 2h30 de viagem. A Polônia tem um sistema ferroviário excelente, que cobre todo o país.

Lublin é famosa por suas vodcas, algumas de gosto único, como a Zoladkowa Gorzka, que é produzida só lá e tem sabor adocicado. Ou a Zubrovka, destilada de centeio e com gosto original de erva aromática.

A tradição cervejeira local também é forte, com destaque para a cerveja Perla, saborosa lager de tipo pilsen. Frios e embutidos gozam igualmente de reputação.

Para comer, os melhores lugares são o centro antigo e o calçadão da Krakowskie Przedmie[cie. Há comida polaca tradicional e contemporânea, judaica, do leste europeu e italiana. Uma das especialidades locais é o cebularz, um tablete de cebola, muito popular por lá e que foi trazido para o Brasil pelos imigrantes judeus.

O pierogi de Lublin também é apreciado, recheado com queijo cottage, kasha e hortelã. Sopas quentes e frias como borsch, peixes como carpas e arenques, e carne de pato e porco também estão disponíveis. Num dos cantos da praça principal da cidade velha, o restaurante Mandrágora (Stare Miasto, 9) serve pratos saborosos da culinária judaica, num ambiente acolhedor e com bons preços.


Endereço da página:

Links no texto: