Folha de S. Paulo


O blogueiro de viagens que foi preso por visitar um país que não existe

BBC
O blogueiro preso Alexander Lapshin tem passaportes russo, israelense e ucraniano
O blogueiro preso Alexander Lapshin tem passaportes russo, israelense e ucraniano

Um blogueiro de viagem acabou na prisão –e no centro de uma crise geopolítica– após visitar uma das zonas mais militarizadas do mundo, disputada por duas nações.

Alexander Lapshin é um popular blogueiro israelense, mais conhecido por suas irônicas observações sobre os lugares que visita do que por suas ideias políticas.

Em seu blog Life Adventures (Aventuras da vida, em tradução livre), ele conta seus problemas com o transporte, suas viagens a lugares pouco explorados e suas opiniões sobre vilarejos. E, de vez em quando, levanta questões de política internacional.

Mas a última viagem acabou levando Lapshin a uma prisão de Belarus e provocou manifestações de políticos de quatro países, incluindo o ministro das Relações Exteriores russo.

A crise ocorreu após repetidas visitas de Lapshin a Nagorno-Karabakh: um território dentro da fronteira do Azerbaijão, mas cuja população é de maioria armênia.

Desde o fim da União Soviética, azeris e armênios intensificaram a disputa pelo território, o que culminou com um sangrento conflito armado. Mesmo com um cessar-fogo em 1994, enfrentamentos ainda são recorrentes na região.

Brendan Hoffman/Getty Images
Cessar-fogo foi declarado em 1994, mas região continua militarizada
Cessar-fogo foi declarado em 1994, mas região continua militarizada

BANIDO

Entre 2011 e 2012, Lapshin visitou Nagorno-Karabakh para escrever sobre o local em seu blog. Na época, a Justiça do Azerbaijão o acusou de entrar ilegalmente no território e o baniu do país.

Lapshin ignorou a ordem e viajou novamente em 2016. Desta vez, com um passaporte diferente, já que ele tem nacionalidades israelense, russa e ucraniana. Seu passaporte ucraniano tem uma pequena diferença na grafia do seu nome, o que lhe permitiu contornar a proibição de entrada.

Autoridades do país dizem que Lapshin apoiou a independência do território em seu blog –uma afirmação difícil de se verificar, já que várias postagens foram apagadas após a sua prisão. Pela lei do país, esse tipo de manifestação é ilegal.

O Azerbaijão então emitiu uma ordem de prisão, que foi cumprida em dezembro, durante sua visita a Minsk, capital de Belarus. O governo pede que ele seja extraditado para ser julgado em suas fronteiras. Caso condenado, Lapshin pode pegar até 13 anos de prisão.

CRÍTICA

Embora a maioria das postagens sobre Nagorno-Karabakh tenha sido deletada, outro blog ainda mantém a republicação de um texto que Lapshin escreveu em abril de 2016.

Nele, o blogueiro se declara neutro na disputa pelo território, mas critica o governo do Azerbaijão e a mídia. "Ler a imprensa dá a impressão de que as autoridades do Azerbaijão e jornalistas acreditam que seu povo é imbecil", escreveu.

"O exército é incapaz de atacar Karabakh tanto por razões estratégicas quanto políticas. Se pudessem, já teriam feito isso há muito tempo, pois 23 anos é tempo o suficiente."

Rússia e Israel se envolveram na polêmica, pedindo que Lapshin seja solto. "A Rússia é contra a criminalização de visitas de jornalistas ou outras pessoas a este território e a outros territórios em diferentes regiões", afirmou o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, numa entrevista à imprensa em janeiro.

No momento, o pedido de extradição avança na Justiça bielorrussa, e Lapshin continua na prisão em Minsk. Já o presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, disse à imprensa que "ele [Lapshin] foi detido de acordo com a decisão da Interpol, e, segundo a lei, devemos enviá-lo ao Azerbaijão". E acrescentou: "Claro que poderíamos soltá-lo. Mas isso seria errado."

A política israelense Ksenia Svetlova vem trabalhando na liberação do blogueiro. Ela convenceu Lapshin a escrever uma carta de desculpas às autoridades, que, no entanto, continuaram impassíveis.

BBC
Comitê Nacional Armênio Comitê Nacional da Armênia nos EUA pediu liberação do jornalista em Washington
Comitê Nacional Armênio Comitê Nacional da Armênia nos EUA pediu liberação do jornalista

SEM ACESSO

Enquanto isso, a mulher de Lapshin, Ekaterina, assumiu seu blog e conta no Facebook. Ela diz que teve permissão para apenas uma visita de uma hora em dezembro. E que, desde então, não teve mais acesso ao marido.

Ela escreveu recentemente no Facebook: "Aparentemente, eu não terei permissão para visitá-lo. Quinze dias se passaram desde que meu pedido foi feito e não tenho a permissão. Isso é o que o promotor me disse."

Ekaterina também usou o Facebook para expressar preocupação sobre as condições da prisão onde Lapshin é mantido. "É muito frio... [Foram registrados] -29ºC a -30ºC em Minsk ontem", escreveu em janeiro. "Isso podia ser sentido na cela onde está detido."

Lapshin tem o apoio não só de seus leitores. No site russo VKontakte, há uma petição intitulada: "Liberdade para o jornalista Alexander Lapshin". E o Comitê Nacional da Armênia liderou protestos em frente aos consulados de Belarus em Nova York e Washington (EUA).

O blogueiro aguarda a decisão final da Suprema Corte nos próximos dias. Se o último recurso for rejeitado, é quase certo que ele seja extraditado para o Azerbaijão.


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