Folha de S. Paulo


Guaxinins fofos enchem a pança em Nova York (mas podem passar raiva)

Como uma quadrilha de bandidos em máscaras passadistas, os focinhos dos guaxinins começam a surgir em meio à vegetação rasteira, em uma noite recente no Central Park de Nova York. Os flashes das câmeras dos smartphones fazem com que seus olhos negros brilhem em meio ao pelo escuro que forma uma espécie de máscara em seus focinhos.

Aparentemente nada assustados, diversos dos animais deixaram a proteção da vegetação e se aproximaram dos fotógrafos, na pista pavimentada. Novos guaxinins os seguiram - e ainda outros fizeram o mesmo.

No total, 22 guaxinins deixaram o mato e se reuniram no pavimento, no limite sudeste do parque, onde ele faz fronteira com a rua 59 em Manhattan. Eles caminhavam por lá despreocupados, e um bando de espectadores tentava tirar selfies com os animais.

Muitas pessoas compravam pretzels em um carrinho de ambulante que estava por perto e chamavam os animais para comê-los em suas mãos, e os guaxinins se empinavam sobre as patas traseiras para apanhar pedaços de comida nas mãos de seus admiradores.

"Isso é normal?", perguntou Karen Nevis, 56, turista vinda de Greensboro, na Carolina do Norte, à sua irmã Stefanie Price, que vive em Manhattan, quando as duas passaram perto dos guaxinins. Um dos animais se aproximou sorrateiramente de um bebê que estava no carrinho, farejando. "Não, não é normal", disse Price, 48. "Mas eles são tão bonitinhos".

Na verdade, a multidão de guaxinins à beira do lago do Central Park se tornou uma espécie de atração turística, com espetáculos extraoficiais a cada começo de noite. Gorduchinhos por conta da pelagem de inverno (e talvez de todos aqueles pretzels), em duplas ou em grupos de dezenas de animais, os mamíferos noturnos passeiam pelas vias de pedestres do parque, assim que escurece. Estão à procura de transeuntes carregando comida.

A prática de alimentá-los, por mais que pareça digna de uma foto no Instagram, não é vista com bons olhos pelo Departamento Municipal de Parques de Nova York e por especialistas em fauna. Embora não seja ilegal (ao contrário de alimentar ursos, alces e cervos no Estado de Nova York), ela acarreta riscos para as pessoas e os animais: guaxinins podem ser portadores de raiva, e aqueles se tornam ousados e se acostumam a sair do mato podem enfrentar problemas.

"Não alimente os guaxinins ou qualquer animal que encontrar nos parques!", escreveu Sarah Aucoin, diretora de fauna e educação no departamento de parques, em uma mensagem de e-mail. "É melhor observar os animais de longe - mais seguro para eles e para você".

Em 2010, surgiu um grande surto de raiva entre os guaxinins do Central Park. E quatro casos da doença foram reportados em 2015 em Staten Island. Neste ano, três guaxinins portadores de raiva foram reportados –um no Bronx, um em Queens e um em Staten Island–, e o telefone de assistência para situações envolvendo animais recebeu 1.153 consultas referentes a guaxinins, por exemplo como fazê-los sair de um quintal.

Os guaxinins não estão atraindo atenção apenas em Manhattan. No Brooklyn, especialistas em captura de animais podem ter piorado o problema ao apanhá-los em quintais e soltá-los em parques. Para animais como os guaxinins, e mesmo os coiotes, viver em ambientes urbanos é normal, mas que as pessoas os alimentem não deveria ser, de acordo com o Departamento de Conservação Ambiental do Estado de Nova York, que publicou um manual de 34 páginas intitulado "Alimentar Animais Selvagens? Diga Não!"

E fazê-lo não é necessário. "Os guaxinins são persistentes e têm uma capacidade extraordinária de encontrar alimentos em seu ambiente natural", disse Benning DeLaMater, porta-voz do departamento, por e-mail. "São verdadeiramente onívoros, comendo plantas, animais e insetos".

Mesmo assim, a cada noite os guaxinins do Central Park enchem a pança com qualquer coisa que os visitantes do parque ofereçam. Em uma noite recente, havia animais comendo balas de goma orgânicas em forma de urso, jogadas para eles por um bebê em seu carrinho; batatas chips; e um pedaço de cachorro-quente. Ocasionalmente, eles ganham um verdadeiro banquete –um padeiro local aparece para despejar três dúzias de bagels vencidos na área que eles ocupam.

Enquanto a noite caía, Fernando Caligaris, 29, apareceu com sua mãe, a dra. Maria Caligaris, de São Paulo, para ver os animais. Quando o filho, que trabalha por ali, contou a ela sobre o pequeno exército de guaxinins perto de seu escritório, ela acrescentou uma nova parada ao seu itinerário turístico. "O Metropolitan Museum, o Museu de História Natural, a ponte do Brooklyn", disse Caligaris. "E os guaxinins".

Os guaxinins muitas vezes emergem do mato e surpreendem as hordas de jogadores de Pokémon Go que caminham pelo parque à noite, entre os quais o ator Leonardo Altafini, 28, que vive no Brooklyn. Ele estava caminhando com os amigos na expectativa de capturar criaturas virtuais, e não de encontrar criaturas vivas.

"Eles são como pequenos pokémons", disse Altafini, desviando o olhar da tela na direção de um guaxinim que se aproximava de sua perna. Ele parou por um momento para admirar as bolas de pelo de cauda listrada que o cercavam, mas só por um momento. "Tem um Squirtle lá!", um amigo dele gritou, falando de um dos monstrinhos digitais.

Os dois saíram à caça da criatura virtual, deixando para trás as quase duas dúzias de guaxinins, que farejavam em busca de algo mais para comer.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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