Folha de S. Paulo


Invasão hipster chega aos subúrbios, e Amsterdã quer frear turismo de massa

Ilvy Njiokiktjien/The New York Times
Casas em um dos canais de Amsterdã, que já estuda formas de desestimular o setor
Casas em um dos canais de Amsterdã, que já estuda formas de desestimular o setor

Neste ano, decidimos tirar férias em Amsterdã. Vivi na cidade por sete anos e escrevi um livro sobre o lugar. Minha companheira, Pamela, morou lá por 23 anos. Conhecemo-nos em Amsterdã. Nosso filho nasceu lá. Temos amigos, parentes, memórias e raízes na cidade. E, ainda assim, passados três anos de nosso retorno aos Estados Unidos, percebemos que ela se tornou remota às nossas vidas.

Vínhamos ouvindo dizer que a cidade havia mudado. A população está em crescimento, e a prefeitura planeja construir 50 mil casas nos próximos dez anos. O maior grupo de novos moradores tem entre 20 e 34 anos e está transformando a paisagem urbana.

Além disso, os preços dos imóveis estão em disparada. O que acontece, em parte, porque os custos de habitação em metrópoles europeias como Paris ou Londres chegaram à estratosfera, enquanto a Holanda é um dos poucos países em que se consegue uma hipoteca sem pagar entrada.

Outro fator é que Amsterdã aumentou o número de licenças para novos hotéis, que começaram a entrar em operação mais ou menos na mesma época em que o fenômeno do Airbnb explodiu.

E é preciso ainda levar em conta o inefável: os hipsters passaram a achar que a cidade –com sua calma e sociedade construída em torno do café e da cerveja– é um lugar relevante no mundo.

Quando chegamos, porém, tudo parecia como sempre –havia a mesma confusão de ônibus e tráfego, lojas feias e turistas desorientados em direção ao centro da cidade.

Outra coisa que não tinha mudado, ainda bem, é a zona dos canais: o coração e a alma de Amsterdã. Nela, as casas estreitas de tijolos ladeiam os canais, e a era de ouro da Holanda parece não ter acabado. Mas, assim que alugamos as bicicletas (a única maneira de percorrer a cidade como se deve), as transformações ficaram cada vez mais aparentes.

A popularidade de Amsterdã como destino de viagem antes se aplicava principalmente ao centro e em alguma medida aos bairros ao sul.

Se você se aventurasse a leste, oeste ou ao litoral norte, provavelmente se veria em um bairro operário ou colonizado por imigrantes que chegaram há pouco tempo –áreas em que mulheres usavam lenços nos cabelos, em conjuntos habitacionais agrupados em torno de playgrounds.

Agora descobrimos que até esses bairros estão se aburguesando. Tomando um café no moderno De Jaren, minha amiga Ruth Oldenziel, professora na Universidade de Tecnologia de Eindhoven, me disse que "agora vejo turistas tirando fotos no bairro, como se fosse na zona turística".

No Indische Buurt, açougues e mercearias com cheiro de cominho deram lugar a uma loja de azeites e a uma butique feminina oferecendo bolsas exibidas sobre mesas de madeira reaproveitada.

Se os subúrbios mudaram, o centro também o fez. E a queixa era a mesma: o aumento dos turistas. As estatísticas confirmam. Nos primeiros quatro meses de 2016, houve 4,3 milhões de estadias em hotel –11% a mais do que o total do período em 2015, ano recorde para esse indicador. Não por acaso, a prefeitura passou a estudar como desestimular o excesso de visitantes.

Mesmo assim, o crescimento e as mudanças não transformaram o símbolo mais perfeito da cidade: o lar de uma família. Os quadros holandeses que retratam as residências do século 17 celebram a "gezelligheid", palavra intraduzível que significa algo como "o sentimento de conforto que surge ao estar seguro e entre amigos e familiares".

É esse o sentimento que anima as pinturas. É isso o que continua a animar Amsterdã. E ficamos imaginando por quanto tempo isso perdurará.


Endereço da página:

Links no texto: