Folha de S. Paulo


Cegos fazem viagem sensorial, em que exploram destino pelo tato e pelo som

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Disponível após o texto versão acessível deste vídeo, com legendas e audiodescrição

Sem enxergar, é possível distinguir quando os frutos de café estão maduros: pequenos e arredondados, eles ficam lisos e macios ao tato.

Basta esticar o braço junto a um dos galhos carregados e usar os dedos para puxar os frutos pelo caminho e colhê-los do pé. No terreiro, onde eles secam ao sol, o som é o guia: balançando um punhado de grãos perto do ouvido, o barulho de chocalho indica quais estão mais secos.

A experiência com os sentidos foi vivida por um grupo de dez pessoas cegas ou com baixa visão (neste último caso, incluindo este repórter), na fazenda Retiro Santo Antônio, em Santo Antônio do Jardim (cidade a 201 quilômetros de São Paulo).

O roteiro foi desenvolvido pela estudante do curso técnico em guia de turismo do Senac Aldmara Veronese, 44. Com patrocínio da Fresp (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros por Fretamento do Estado de São Paulo), o projeto já teve duas viagens experimentais, sem custos para os turistas.

PARA TODOS

A Folha acompanhou a segunda viagem promovida (veja acima vídeo acessível sobre a experiência). No grupo, pessoas que enxergam servem de guia aos deficientes que precisam de auxílio para se locomover. Depois de percorrer a plantação e fazer a colheita, cada cego foi incentivado a caminhar sobre o café e a "girá-lo", ou seja, movimentá-lo com uma espécie de rodo para trazer à tona os que estão escondidos do sol.

Mais tarde, foram mostrados os equipamentos de moagem e torrefação –e, enfim, abriu-se a possibilidade de degustar a bebida.

Para que os viajantes aproveitassem melhor a excursão, todos os cenários eram descritos. Veronese falou sobre as casas da cidade de 6.000 pessoas, os ipês-amarelos, as flores de diversas cores.

O analista de sistemas Sidney Tobias, 50, cego desde os 13, diz que já se frustrou em viagens por não ter sido atendido por guias preparados para lidar com a deficiência.

"O fato de o passeio ser inclusivo me poupa do trabalho de ficar perguntando a toda hora como são as coisas. Existe o risco de ficar sem entender nada da viagem simplesmente por ter vergonha de perguntar ou sentir que está atrapalhando os outros."

A instrutora de ioga Rosilene Celoto, 58, destaca a possibilidade de "ver", com as mãos, o que a viagem proporciona. "Uma pessoa que enxerga viaja até pela internet, vê tudo o que quer. Eu preciso sentir", diz. "E é tão gostoso pegar o café, perceber a textura das plantas."

Para Tobias, esperar o surgimento de projetos sob medida para quem tem deficiência pode ser frustrante –seja no turismo ou na área de entretenimento, como o cinema.

"Hoje fiz um passeio incrível, mas, se quiser ir de novo, não tenho como. É como se, só naquele dia, a pessoa com deficiência visual viajasse."

Em outras palavras, o roteiro sensorial mostra que é possível –fácil, até– aproveitar uma viagem sem enxergar. Mas ele só faz sentido porque cegos e pessoas com baixa visão não têm acessibilidade plena ao viajar por conta própria. Para que a inclusão seja verdadeira, exemplos como esse não podem ser um fim em si, mas devem fomentar a acessibilidade em destinos que são para todos.

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