Folha de S. Paulo


Caminho de Compostela reúne turistas e peregrinos de barbas bíblicas

Se há dúvida sobre que caminho tomar, basta seguir alguém de mochila nas costas. Fazer qualquer um dos Caminhos de Compostela, mesmo que por pouco tempo ou apenas por um trecho, é cruzar várias vezes com as mesmas pessoas.

Na verdade, como cada um tem seu próprio ritmo e programação, peregrinar se torna uma rotina de encontrar e desencontrar pessoas que seguem o mesmo rumo.

Não há exatamente um padrão, mas a maioria parece gente em forma e equipada. Andar por quilômetros todos os dias, por mais aventuroso que pareça, requer disciplina e técnica.

Consequência disso, várias associações de peregrinos organizam viagens em grupo, dão palestras preparatórias antes da empreitada e promovem caminhadas de treinamento para quem precisa aperfeiçoar o condicionamento.

O caráter religioso do percurso é opcional, mas é difícil ignorá-lo. A começar pela "credencial" do peregrino, emitida por paróquias e entidades religiosas. O documento deve ser carimbado a cada paróquia, igreja e albergue encontrados no caminho, registrando o trajeto cumprido por seu possuidor.

Um atestado final de participação, a chamada "Compostela", é conferida no destino final apenas a quem comprovar ter feito mais de 100 quilômetros do percurso "com intuito religioso".

Também é difícil ignorar alguns participantes pitorescos. Gente que, para dizer o mínimo, se entrega ao lado místico da caminhada e opta por andrajos, barbas de proporções bíblicas ou pesados cajados de madeira. Há de tudo: os que gostam de conversar, os que preferem caminhar calados –mas ser solidário com quem está perdido ou precisa de ajuda é a norma.

Em pausa para descanso no topo de um "acantilado" (falésia) asturiano entre Arenal de Moris e La Isla, o casal Roger e Lorenza Baqella considera que é "absolutamente normal viajar caminhando".

"Daria para vir de carro, mas não seria a mesma coisa, não teríamos que parar para descansar aqui, ver o mar, conversar com você", afirma Roger, morador de Perpignan, na Catalunha Francesa, a mais de 800 quilômetros de casa.

Irão até Compostela? "Não sabemos ainda, estou com um problema no joelho que incomoda um pouco", responde Roger. "E ele não é mais tão jovem assim", diz Lorenza. Quantos anos têm? "Juntos, 152. Tenho 78 anos, ela, 74. Dá para caminhar muito ainda."

PEREGRINO PRECISA DE PREPARAÇÃO

Não há um caminho de Compostela, há vários. Mas não espere ajuda divina para enfrentar qualquer um deles. Centenas de quilômetros demandam planejamento e preparação. Ou o bolso em forma para pagar pelo conforto.

O roteiro básico de peregrinação é espartano. Caminhar do amanhecer até pouco depois da hora do almoço. Aí é preciso encontrar um albergue com vaga e usar as instalações para zerar corpo e equipamento até a manhã seguinte, quando se retoma o exercício. É a opção mais em conta e, por isso mesmo, muito concorrida.

No verão, por exemplo, no Caminho Francês, o mais popular, é comum peregrinos anteciparem a chegada aos albergues, o que força saída ainda mais prematura da cama.

É possível também montar roteiros para pernoitar em pequenos hotéis, que não faltam pelo caminho. Há, inclusive, serviços que levam mala e equipamentos de hotel a hotel, enquanto o peregrino faz a caminhada livre de peso extra. Vale tudo, até cumprir trechos mais longos de carro, elegendo passeios específicos para fazer a pé.

Uma das vantagens do conjunto de Caminhos do Norte é não ser tão conhecido como o Caminho Francês. Para alavancar o turismo, os governos das regiões que os comportam (País Basco, Cantábria, Astúrias, Galícia e Navarra) renovaram instalações, sinalização e percursos. Já há caminho até com wi-fi e guias em formato de aplicativos para celular.

A altimetria varia mais, assim como a paisagem, que vai da praia à montanha. Especialmente no litoral, os trajetos se sucedem das mais diversas formas: de acostamentos de estrada (não pense em Brasil, é seguro) a bosques, de calçadões à beira-mar a trilhas por fazendas. Basta seguir as setas amarelas.

O jornalista viajou a convite do Escritório de Turismo da Espanha


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