Folha de S. Paulo


Viagens com toda a família junta são tendência no segmento de luxo

Para comemorar seu 80o aniversário, dois anos atrás, a aposentada Geza Giuli fez algo menos convencional do que uma festa e, por duas semanas, desceu corredeiras e escalou montanhas na região de Provence, na França.

Outro detalhe: estavam com ela na viagem três netos, três filhas e um genro, com idades que variavam dos dez aos 50 anos.

"A ideia foi reunir a família para comemorar. No dia a dia fica difícil ter esse momento de convivência –só que escolhemos outro país para isso", afirma a fonoaudióloga Flávia Martins Ribeiro, 51, filha de Geza.

A viagem é parte de uma tendência que recebeu o nome de turismo multigeracional, quando membros da mesma família, de diferentes gerações, embarcam juntos.

"Hoje todo mundo quer se sentir um cidadão do mundo. E, no perfil de alta renda, a ideia é deixar de herança histórias com os filhos e netos, mais do que bens materiais", afirma Robbert van Rijsbergen, representante no Brasil da Virtuoso, grupo que emite um selo de qualidade para agências de luxo.

A empresa listou a prática entre as principais tendências para o mercado em 2016.

O volume desse tipo de turismo tem crescido –principalmente em países como os Estados Unidos, mas também no Brasil– por uma conjunção de fatores, que inclui, por exemplo, o aumento da expectativa de vida.

Hoje, avós nascidos antes da Segunda Guerra têm, com mais facilidade do que no passado, condições financeiras e energia para conviver e viajar com filhos e netos das gerações Y (nascidos entre 1980 e 1990) e Z (pós-1990).

PARA CABER NO BOLSO

Os pacotes para pessoas da mesma família são uma tendência maior entre as agências de luxo –bancar uma viagem para um grupo grande, com muitas individualidades, sai mesmo mais caro. Mas não precisa ser assim.

Na CVC, maior agência do país e com forte presença entre as classes B e C, a tendência também é observada.

"Como 70% dos nossos pacotes são personalizados, a família pode adaptar o roteiro para fazer com que a viagem caiba no bolso", diz Valter Patriani, vice-presidente de produtos da empresa. E, a rigor, um fim de semana em uma casa alugada na praia com filhos e netos já configura turismo multigeracional.

Não por acaso, casas de locação por temporada ajudaram a reforçar a tendência –hoje, são o principal meio de hospedagem nesse tipo de viagens, ao lado dos resorts e dos navios de cruzeiros.

A rede de hotéis de luxo Four Seasons tem colocado à disposição dos clientes residências com quartos, salas e cozinha, em locais como a ilha de Bora Bora (Polinésia Francesa), Marrakech (Marrocos), e Chiang Mai (Tailândia).

"Nos últimos dois anos investimos no segmento principalmente por sentir um aumento da demanda", afirma Daniela Pescio, diretora da empresa no Brasil.

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DIPLOMACIA E PLANEJAMENTO

"Quando você aluga uma casa com a família em outra cidade, vai ao mercadinho, conhece os lugares com mais calma –ou seja, passa a viver como um local", diz Claudia Martinelli, porta-voz do site de viagens TripAdvisor, sobre uma das vantagens do turismo multigeracional.

Eduardo Gaz, diretor da agência Selections, completa: "Em geral, essas viagens são feitas em datas especiais, não tanto pela comemoração em si e mais pela reunião, pela tradição familiar".

A administradora Marta Souza Amaral, 42, passou o Réveillon de 2015 em Florença (Itália) com 22 pessoas da família, entre avós, filhos, genros, noras e netos –com idades entre 17 e 70 anos.

"O maior problema das viagens familiares é cada um querer fazer o que bem entende", conta. Para não deixar margem para discussões, ao montar a viagem ela já determinou como seria o passeio, do início ao fim.

O resultado foi positivo: "Foi uma experiência valiosa; meu pai fez um depoimento falando que era o melhor dia da vida dele e emocionou a todos".

Para o holandês Robbert van Rijsbergen, da Virtuoso, essa é uma característica brasileira que faz a diferença nesse tipo de viagem.

"Famílias europeias são mais independentes, adolescentes têm o costume de viajar sozinhos. As relações no Brasil têm vínculos mais fortes e intensos", afirma.

PLANEJAMENTO

Com ou sem vínculos, o certo é que planejamento é fundamental para fazer uma viagem com tanta gente funcionar sem contratempos (veja dicas na galeria acima).

É preciso consultar todas as gerações para decidir quais serão os passeios. Claro que há exceções: a família da fonoaudióloga Flávia Ribeiro se deu ao luxo de sair sem rumo, com carros alugados, pelas cidadezinhas da Provence, na França.

"Ficamos duas semanas juntos e, depois, nos separamos para cada um fazer o que quisesse: meu filho foi encontrar um amigo em Paris e minha irmã continuou a viagem para a Croácia", conta.

Além de montar a programação, outra etapa complexa de uma viagem multigeracional é a agenda. "É algo que requer muito planejamento", diz Valter Patriani, vice-presidente de produtos da CVC.

A produtora de beleza Ariane Ianicelli, 33, já foi com a família para Arraial d'Ajuda, Fortaleza e Disney –em todas as vezes, o projeto começou pelo menos um ano e meio antes de embarcar.

"Esse trabalho de 'relações-públicas' é complicado, fico apreensiva. Sempre tem um grupo dos descontentes nos passeios", conta.


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