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Muralha da China está ameaçada por falta de manutenção

Jorge Araujo/Folhapress
A Grande Muralha da China consiste em diversas muralhas, construídas durante várias dinastias
A Grande Muralha da China consiste em diversas muralhas, construídas durante várias dinastias

Depois de muito defender o império chinês, a Grande Muralha já não tem defensores. Como a China do século 21 não precisa mais de fortificações de pedra e tijolo, seu maior emblema turístico desmorona pela falta de atenção.

Quase um terço da construção desapareceu, e os especialistas agora temem o pior: que o monumento passe a ser apenas uma lembrança.

O clima, o vandalismo e a negligência fizeram desaparecer quase 2.000 dos 7.000 quilômetros da Grande Muralha que foram construídos durante a dinastia Ming (1368-1644), conforme dados oficiais divulgados na semana passada. O trecho é considerado como a muralha genuína, pois foi nessa época em que viveu seu maior esplendor.

"A situação não é boa", afirma um funcionário da instituição encarregada da conservação desse símbolo nacional, uma construção cuja manutenção é cara e difícil.

A Grande Muralha, uma estrutura formada por diferentes partes, passa por mais de 15 províncias e regiões da China, desde Pequim, no norte, até o Deserto de Gobi, a oeste, e calcula-se que no total possa ter 8.850 km de comprimento.

"Cruza montanhas, vales, rios, desertos e planícies. Suporta condições climatológicas muito difíceis", acrescenta o funcionário, que lembra que paredes inteiras do monumento poderiam vir abaixo em algum temporal típico dos verões no norte da China.

A vegetação também representa uma ameaça, já que as raízes das plantas se espalham pelas paredes enfraquecendo a estrutura, que também fica mais frágil por causa do calor e do frio.

O clima está ganhando a batalha que trava contra o muro que serviu para defender os chineses dos povos nômades e criadores de gado do norte da Ásia durante séculos. "Não existe funcionário suficiente para a manutenção e proteção", destaca Dong Yaohui, subdiretor da GWCS (sigla que, em português, quer dizer Sociedade Chinesa da Grande Muralha).

Dong lembra como nos anos 1960 e 70 muitas pessoas destruíam parte da muralha para construir suas casas. A isso se soma a venda de fragmentos da construção no mercado negro, especialmente aqueles que possuem caracteres gravados e que têm mais valor (pouco mais de R$ 9,50 por peça).

De acordo com um estudo da GWCS, em 2014 apenas 8,2% do monumento estava em "boas condições", enquanto 74,1% estava classificado como "em muito mau estado".

"O governo deu passos, mas são insuficientes", critica Dong, que considera que as penas para aqueles que atentam contra o monumento "deveriam ser mais altas".

Em 2006, o governo chinês aprovou a primeira lei destinada a proteger a Grande Muralha, mas a falta de detalhes na norma e de uma equipe administrativa para cumprir seu propósito levaram a norma a ser considerada um "papel sem valor".

"Na verdade, no passado não foi dada muita atenção à manutenção da muralha. A China viveu e ainda vive um processo de transformação e desenvolvimento de sua economia —e o processo de proteção de patrimônios culturais vai no mesmo caminho", comenta o professor de História, Xu Haiyun, da Universidade Renmin, em Pequim.

Haiyun se diz otimista sobre o fato de com o poder financeiro da China, a proteção ao monumento começará a acontecer. Contudo, segundo o subdiretor de GWCS, nem todos os problemas são financeiros. "É preciso conscientizar à população", comenta Dong.

Para ele, o ideal seria contar com voluntários que vivam próximos a algum trecho da fortificação para que eles cuidem do local em troca de um subsídio.

Uma popular tendência de visitar os trechos da construção que estão fora do circuito turístico também ajuda a deteriorar o monumento, já que são áreas sem qualquer gerenciamento.

Para Dong, no entanto, o turismo não é um problema, mas um aliado a explorar. "Só uma pequena parte da muralha está aberta ao turismo e essa é a parte com melhor conservação. Os turistas não a danificam e sim a protegem", conclui.


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