Folha de S. Paulo


Base militar durante Guerra Fria, ilha no Mediterrâneo será aberta a turistas

A ilha de Sazan, destino proibido durante quase um século para todo albanês por servir de base militar, finalmente abrirá suas praias virgens de água cristalina, suas baías e cavernas marítimas ao público.

O novo governo albanês deve lançar uma ampla operação de limpeza de concreto, minas, escombros e lixo para abrir a ilha ao turismo nacional e estrangeiro.

"A ilha havia sido utilizada totalmente com fins militares. Essa época terminou. É lindo que um espaço carregado de concreto por questões militares se transforme em um lugar bonito e apetecível para os turistas", disse a ministra da Defesa, Mimi Kodheli, ao visitar recentemente a ilha.

Ocupada por venezianos, britânicos, gregos e italianos, Sazan se tornou a ilha mais militarizada do Mediterrâneo durante meio século de comunismo e Guerra Fria.

Sua posição estratégica na entrada da baía de Vlora, entre os mares Adriático e Jônico, a transformou em um perfeito ponto de controle do canal de Otranto, que une as 42 milhas que separam a costa albanesa da italiana.

Nove linhas distribuídas por toda a ilha, junto com vários canhões, mísseis, navios e quatro submarinos soviéticos da vizinha base naval de Pashaliman aguardavam para responder ao ataque inimigo que nunca chegou.

A ilha de 5 quilômetros quadrados serviu de base militar para os países do bloco comunista até que a Albânia saiu do Tratado de Varsóvia em 1968, depois que o ditador albanês, Enver Hoxha, rompeu as relações com a União Soviética.

Nos anos seguintes, Hoxha fechou hermeticamente o país ao resto do mundo e ordenou a construção de mais de meio milhão de búnqueres entre 1975 e 1982 para proteger a Albânia de um "iminente" ataque armado "imperialista e revisionista".

"Naqueles anos, fortificamos a ilha. Fizemos um trabalho colossal em que nem nós, os oficiais, acreditamos", disse à Agência Efe Agush Gjonaj, coronel reformado que foi comandante do maior navio caça-minas albanês, enviado para Sazan.

Gjonaj ainda se lembra claramente de como treinou seis horas diárias, com o resto dos militares que habitavam a ilha, durante 14 anos consecutivos para lutar contra um inimigo que "ainda não" conhece.

"Descansávamos parcialmente, só nos domingos", contou. "Estávamos sob tensão permanente. 'O inimigo está em frente. Chegará hoje ou amanhã. Vocês devem estar prontos para lutar e vencer com o armamento que têm'. Essas eram as instruções que o Partido (comunista) nos dava", detalhou.

Isso, reconheceu o coronel, era apenas propaganda. "No fundo, ninguém achava que 'pulgas' como nós pudessem vencer os 'tigres' americanos, equipado com aviões, porta-aviões e armamento sofisticado, mas ninguém se atrevia a se opor às ordens porque acabava fuzilado como 'inimigo do povo'", disse.

Gjonaj lamenta que, em sua carreira militar de 30 anos, pôde torpedear apenas uma vez: em 1979, no filme "Ballë për Ballë", baseado no romance do escritor Ismail Kadare "O Grande Inverno", que conta a luta dos albaneses que não deixaram a base de Pashaliman nas mãos dos poderosos soviéticos de Nikita Kruschev.

"Nos tempos da ditadura, na ilha havia de tudo: escola, hospital, lojas, restaurante, cinema. Era como uma 'minicidade' onde viviam cerca de 200 famílias dos militares", explicou à Agência Efe Robert Rushiti, diretor da escola primária da ilha entre 1983 e 1986, frequentada por 120 alunos.

Rushiti relata que outro programa educativo para os tempos de guerra era ensinado às crianças, diferente dos da paz, enquanto lembra as dificuldades para ir a Vlora, a carência de água e luz.

O diretor se mostra entusiasmado com a iniciativa do governo para transformar Sazan em um lugar turístico porque, considerou, é parte da História do país que atrairia não apenas estrangeiros, mas também albaneses, para cuja maioria continua sendo ainda um mistério.

Os edifícios onde viviam os militares acabaram sendo saqueados durante a rebelião armada de 1997.

O armamento depositado nos túneis da ilha também desapareceu: quadrilhas do narcotráfico acabaram usando esses condutos para ocultar temporariamente os grandes carregamentos de droga que transportavam em lanchas à Itália.

Nos anos posteriores, a ilha se transformou em base da polícia italiana para prevenir a saída ilegal de imigrantes e droga com destino ao vizinho rico.


Endereço da página: