Folha de S. Paulo


Do refugiado à apresentadora de TV, veja como almoçam 7 pessoas que já passaram dos 50

Os alimentos carregam representações, lembranças de alegria e tristeza, simbolismos. São marcas em nossa memória alimentar. Para quem já passou dos 50 anos, as muitas experiências podem influenciar as refeições do dia a dia.

Veja nos depoimentos a seguir como a história de sete pessoas que já completaram cinco, seis e até nove décadas de vida moldou não só seus hábitos à mesa mas também sua relação com a comida.

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Solange Frazão, 52, educadora física e apresentadora de TV

Gustavo Scatena/Folhapress
A apresentadora de TV Solange Frazão, 52, almoça: salada, frango, batata-doce, brócolis com vagem e cenoura e suco de hortaliças variadas
A apresentadora de TV Solange Frazão, 52, almoça: salada, frango, batata-doce, brócolis com vagem e cenoura e suco de hortaliças variadas

Minha alimentação é muito rigorosa, evito comer doces, frituras e álcool. Também procuro descansar bastante -desde criança, tenho o costume de me deitar por volta das 21h e levantar às 6h da manhã. Mas não sou neurótica.

Como carne vermelha e tomo vinho de vez em quando. Domingo à noite, como um pouquinho de pizza, mas tento ver se tem de massa integral. Se estou em um aniversário, pego um pedacinho de bolo.

Quando eu ia a uma festa, diziam: "Ah, chegou a chata". Eu ficava mal, mas essa é minha opção de vida. Meus três filhos e eu fazemos as refeições juntos, é uma alegria. Mas não comemos na cozinha para evitar os aromas deliciosos e não cair no exagero.

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Claudinei Dias da Silva, 53, astrólogo e instrutor de ioga

Gustavo Scatena/Folhapress
O vegetariano Claudinei Dias da Silva, 53, almoça: hambúrguer de casca de banana orgânica, quibe de berinjela, brócolis, espinafre refogado, salada com molhos prontos e chimichurri, água de coco e, de sobremesa, mexerica
O vegetariano Claudinei Dias da Silva, 53, almoça: hambúrguer de casca de banana orgânica, quibe de berinjela, brócolis, espinafre refogado, salada com molhos prontos e chimichurri, água de coco e, de sobremesa, mexerica

Você vai a um lugar, diz que é vegetariano, e te olham como se vissem um ET. A falta de informação é grande: há desde pessoas que não consideram que frango é carne até gente que me diz que "Deus criou os animais para serem comidos". Virei vegetariano há quatro anos porque não queria ser responsável pelo abate dos animais. Com o tempo, descobri o impacto ambiental da pecuária, que só reforçou minha ideologia. Quero virar vegano.

Eu já havia tentado virar vegetariano duas vezes, mas fiquei anêmico e tive de voltar a comer carne. Aprendi muito sobre minha saúde nessas tentativas. Desta vez, passei a tomar suplementação de ferro e de vitamina B12 como prevenção.

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Mariana Mauro, 68, aposentada

Gustavo Scatena/Folhapress
A aposentada Mariana Mauro, 68, almoça: angu com quiabo, arroz, feijão e suco natural de tangerina
A aposentada Mariana Mauro, 68, almoça: angu com quiabo, arroz, feijão e suco natural de tangerina

Nasci em Minas. Vim para São Paulo com uma filha no braço e outro na barriga. Quando cheguei, fui morar no porão da casa de um senhor viúvo. Em troca do lugar, cuidava das filhas dele. Cozinhava o básico: arroz, feijão e carne. Os vizinhos me ajudaram e comecei a me estabilizar. Trabalhei de metalúrgica muitos anos e moro há 30 na Monte Azul [favela na zona oeste de SP].

Cozinho só para mim. Meu prato preferido é macarrão com carne moída. De manhã, só tomo café preto. Não tenho horário fixo para almoçar. Costumo fazer arroz, feijão e mistura. Gosto de fruta, mas não é sempre que como, porque é caro. Não bebo álcool e estou tentando parar de fumar.

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João Rosário, 87, escrevente aposentado

Gustavo Scatena/Folhapress
O maratonista João Rosário, 87, almoça: salada, salmão assado, brócolis, arroz, feijão, passas, semestes e guaraná
O maratonista João Rosário, 87, almoça: salada, salmão assado, brócolis, arroz, feijão, passas, semestes e guaraná

Voltei a correr aos 67 anos e já fiz 38 maratonas. Antes de treinar, às 5h, tomo leite e como meio pão integral com mel. Quando eu volto, preparo um achocolatado para repor as energias. Uso um suplemento chamado maltodextrina [tipo de carboidrato feito a partir de milho ou mandioca].

Em véspera de corrida, como salmão porque tem ômega 3, que fortalece e ajuda na memória. Sempre levo para a corrida alguma fruta e umas balas, que não deixam secar a garganta. Depois, faço muito repouso e como uma tapioca no jantar. Às vezes, compro uma pizza, mas não pode encher muito o estômago, senão dá pesadelo!

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Julio Gartner, 90, refugiado da 2ª Guerra

Gustavo Scatena/Folhapress
Julio Gartner, 90, sobrevivente do Holocausto, almoça: salada, edamames (vagens de soja), mminibatatas, brócolis, linguiça, arroz, feijão e suco de uva
Julio Gartner, 90, sobrevivente do Holocausto, almoça: salada, edamames (vagens de soja), mminibatatas, brócolis, linguiça, arroz, feijão e suco de uva

Tinha 15 anos quando a 2ª Guerra chegou à Polônia. Fugi para uma aldeia no interior: de dia me escondia nos silos e à noite saía para trabalhar. Em troca, aldeões me deixavam um prato de comida na porta, como se faz com um cachorro.

No campo de concentração de Melk, na Áustria, vi muitos morrerem de fome. Era um oitavo de pão e um prato de sopa de casca de batata. De manhã, uma água suja que seria café. Em 1945, embarcamos para Ebensee, também na Áustria. A sobrevivência lá era de 20 a 25 dias.

Vi gente andando de quatro, como bicho. Era fraqueza. A pessoa recebia pão, quebrava um pedaço e colocava na boca. Então outro corria, tirava o pedaço da sua boca e engolia.

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Magali Spada e Souza, 53, autônoma

Alexandre Rezende/Folhapress
Magali de Souza, que inspirou a personagem da Turma da Mônica, brinca com a sobremesa; antes, ela almoçou: salada, suflê de chuchu com queijo, bife acebolado, arroz, feijão e suco de tangerina
Magali de Souza, que inspirou a personagem da Turma da Mônica, brinca com a sobremesa; antes, ela almoçou: salada, suflê de chuchu com queijo, bife acebolado, arroz, feijão e suco de tangerina

Tenho tudo a ver com a Magali [personagem] e sempre fui comilona. Sou muito ansiosa e jogo isso na comida. Tenho insônia, daí ataco a geladeira. Gosto de comer pouco, mas várias vezes, e acho que isso me ajudou a manter a forma. Ainda assim, no último ano, engordei 7 kg.

Sempre fui magra, mas agora estou tentando me cuidar, porque com a idade as coisas não voltam tão rápido para o lugar. Estou tentando diminuir o sal e a fritura e tomar mais leite, por causa do cálcio. A história da melancia veio da infância. Quando minha família passava as férias em São Vicente [litoral de SP], sempre tinha: era uma sobremesa legal, que dava para todos comerem, só que eu comia mais. Mas adoro todas as frutas!

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Enzo Catalano, 77, italiano, músico

Gustavo Scatena/Folhapress
O músico italiano Enzo Catalano, 77, em sua casa em SP; ele almoça espaguete à bolonhesa, brachola, berinjela curtida, brócolis, pão italiano e vinho branco
O músico italiano Enzo Catalano, 77, em sua casa em SP; ele almoça espaguete à bolonhesa, brachola, berinjela curtida, brócolis, pão italiano e vinho branco

Com a 2ª Guerra, minha família veio para São Paulo. Éramos cinco filhos. Não dava para comprar carne sempre, mas tinha muita fruta: mamão, abacaxi.

Sou vocalista num trio de música italiana na cantina "C... que sabe!", na Bela Vista [centro]. Trabalho lá para melhorar um pouco a vida, porque com aposentadoria só dá para morrer de fome.

Sou casado com uma pernambucana que aprendeu a fazer comida italiana com minha mãe. Meu prato preferido é espaguete. Quando levanto, só tomo café puro. Antes do almoço, como pão com berinjela ou um ovo cozido. À noite, no restaurante, berinjela e sardela com pão e um copo de vinho. Não como muito, senão não durmo.


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