Folha de S. Paulo


Studio Maria's, na periferia, e Studio W, no centro, vivem opostos da crise

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Cercada por paredes cor-de-rosa, em um salão de beleza de 25 m², Maria Aparecida Morais, a dona Nena, 55, assiste à televisão em pé numa quinta-feira de outubro. Tirando uma, todas as cadeiras do estabelecimento, na zona sul de São Paulo, estão vazias. A única ocupada é onde está sentada a manicure Adriana Fagundes, 38, que confere as mensagens no celular.

De vez em quando, dona Nena espreita o celular para ver se alguma cliente mandou mensagem para marcar um horário. "Elas sumiram. Eu tinha freguesas que vinham semanalmente, depois passaram a vir a cada 15 dias e agora vêm uma vez por mês", reclama.

Ela abriu o Studio Maria's há três anos e, mesmo congelando os preços para fazer as unhas dos pés e das mãos a R$ 40, e o corte a R$ 45, dona Nena estima que o movimento diminuiu 50% neste ano em relação ao anterior. A cabeleireira atribui a queda à crise econômica. "Tem muita cliente fazendo os serviços em casa. Várias voltam com o cabelo estragado, porque fizeram a pintura por conta própria e não deu certo", conta.

A 15 km dali, na mesma quinta-feira, o movimento é intenso nos 560 m² do Studio W do shopping Higienópolis, no centro da cidade. Dezenas de clientes, que desembolsam em média R$ 350 por um corte de cabelo e R$ 140 para tirar as cutículas e passar esmalte nas unhas das mãos e dos pés, são atendidas por um batalhão de 145 funcionários.

"A gente não pensa nessa coisa de crise. O W trabalha com um público com poder econômico privilegiado. Se eu falar que [a crise nos] afetou, não é verdade", afirma a empresária Rosângela Barchetta, 52, sócia da rede W, que tem sete unidades no Estado.

Freguesa do W há 14 anos, a musicista Lucila Manzoli, 63, não cogita abrir mão do salão. "Eu acho que é o mínimo que a gente tem que fazer para manter a autoestima elevada. O Ricardo [Rodrigues, cabeleireiro] me ajuda muito. Se chego 'deprê', saio feliz", afirma.

O "efeito batom", como ficou conhecida a tendência de consumidores manterem os gastos com cuidados pessoais durante períodos de contração econômica, parece não se aplicar a todos os públicos na atual crise. Pela primeira vez em 23 anos, a indústria da beleza registrou queda na venda de produtos.

De janeiro a junho de 2015, a diminuição foi de 5% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo levantamento da Abihpec (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos).

Na Vila Santa Catarina, periferia de São Paulo, a proprietária do Studio Riana, Regina Fernandes, faz promoções para atrair a clientela de volta. "Desde abril, o movimento caiu muito, cerca de 25% em relação ao ano passado, principalmente os serviços de cabelo como pintura", conta.

Ela começou a fazer o Dia da Beleza, aos sábados, para incentivar a clientela a adquirir pacotes de serviços e produtos com desconto. No primeiro sábado de novembro, comprando um produto, a hidratação que tem o valor a partir de R$ 80 saía pela metade do preço, e a escova era grátis.

Mesmo com as promoções, a comerciante Ângela Maria da Silva, 45, diz que está indo menos ao Studio Riana. "Eu fazia unha toda semana, agora faço de 15 em 15 dias. Parei de fazer hidratação", conta Ângela, que viu a renda diminuir com a queda das vendas no negócio próprio.

LUXO

Para cortar o cabelo com Celso Kamura, não basta pagar R$ 450. Se for a primeira visita ao cabeleireiro, é preciso esperar pelo menos um mês na fila de espera. "Sinto uma diferença entre o nosso salão e outros mais simples. Estamos sempre na mídia, as pessoas veem nas revistas, tem o marketing do boca a boca, sempre tem gente nova chegando. Perder clientes para a crise? Não", diz Kamura, que atende a presidente Dilma e a atriz Grazi Massafera.

Dono de uma rede de quatro salões de beleza, todos em bairros nobres de São Paulo, Kamura conta com cerca de 60 funcionários em cada unidade que atendem a pelo menos 1100 clientes por mês.

Enquanto faz uma escova no cabelo e é maquiada no primeiro andar do C. Kamura, a pediatra Fabíola La Torre, 39, toma uma taça de champanhe. "Vou onde o Pedro [cabeleireiro] estiver. Sem ele eu não estou viva. Eu largo meu marido, mas não largo o Pedro", diz ela. "Eu sou pediatra e sei que a mãe deixa de dar vacina para o filho, mas não deixa de fazer o laser dela. Beleza é tudo na vida. Simples assim", completa.

MAÍRA CABRAL fez o 1º Programa de Treinamento em Fotojornalismo e Vídeo da Folha, patrocinado por Friboi, Odebrecht e Philip Morris Brasil.


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