Folha de S. Paulo


Demissões em Angra 3 agravam crise no Rio

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Mesmo sem nenhuma relação com os envolvidos na Operação Lava Jato, a família do carpinteiro Pedro José de Almeida, 56, sofre na pele as consequências das investigações. Contratados pela Andrade Gutierrez, Pedro e os três filhos trabalhavam na construção da usina nuclear de Angra 3, em Angra dos Reis, no litoral sul do Rio de Janeiro.

Hoje, a família é parte dos mais de 1.600 demitidos pela empresa após a suspensão temporária do contrato com a Eletronuclear.

Os contratos firmados entre a estatal e as empreiteiras responsáveis pela construção de Angra 3 foram o foco da 16ª fase da Lava Jato, deflagrada em julho e batizada de Radioatividade. O presidente licenciado da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro da Silva, e diversos executivos da Andrade Gutierrez foram presos na operação.

As demissões nas obras da terceira usina nuclear brasileira criaram uma espécie de efeito dominó na região de Angra. A viação Eval, por exemplo, que realizava o transporte de operários até a usina, desligou cerca de 40 pessoas. "É uma redução de 40% no nosso quadro de funcionários", diz Arnaldo Fonseca, da administração da empresa.

"Um dia após o anúncio da suspensão [do contrato], veio um e-mail da Andrade Gutierrez dizendo que havia 1.125 [demissões de] funcionários para homologar", conta Carlos Silva, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias da Construção Civil de Angra dos Reis e Paraty (Sticpar). A homologação é o processo de desligamento da empresa e de acertos trabalhistas para funcionários com mais de um ano de serviço. Segundo Silva, o número total de demitidos da empreiteira passa de 1.600.

Na prática, a suspensão dos contratos implica a paralisação das obras da usina. Segundo José Eduardo Costa Mattos, superintendente de construção da Eletronuclear, restam cerca de 700 funcionários no canteiro, sendo 300 da Andrade Gutierrez. Esses operários realizam, no entanto, apenas serviços de preservação e manutenção de equipamentos.

Para Silva, do Sticpar, o atual cenário de crise econômica dificulta ainda mais a situação dos demitidos. "Antes, se o trabalhador ficasse desempregado aqui em Angra, ele ia para Volta Redonda e encontrava trabalho, ia para Rio de Janeiro e lá tinha vaga, ia para o estaleiro Verolme e se empregava. Agora não tem para onde ir, porque a crise é nacional", afirma.

"Ninguém está preparado para virar desempregado logo no final do ano", comenta Pedro, que também trabalhou na construção de Angra 1 e 2. Mais de um mês depois das demissões, o pai foi o único da família a conseguir um novo emprego.

A família do carpinteiro mora no bairro do Frade, a 11 km da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, onde estão localizadas as usinas de Angra 1 e 2 e a futura usina de Angra 3. O bairro fica a 30 km de carro do centro do município. "Nesse horário [6h da manhã], a rua era muito movimentada, com gente descendo para o trabalho. Hoje está deserto", diz Roberto de Almeida, 31, filho mais velho de Pedro.

"O Frade e outros bairros da região foram basicamente criados em função da construção das usinas. Cresceram junto à Central Nuclear. Hoje são bairros de desempregados", afirma Carlos Silva, do Sticpar.

FUTURO

A expectativa do sindicato é de que a construção de Angra 3 seja retomada até fevereiro de 2016, após os 90 dias (prorrogáveis a 120) previstos na suspensão do contrato.

Com a nova paralisação, a Eletronuclear adiou a previsão de início de operação da usina para 1° de maio de 2019. "Teremos que fazer um incremento em trabalhos de dois turnos. Certamente teremos um número de funcionários maior que o inicialmente previsto", afirma Costa Mattos, da superintendência de construção da estatal.

A Eletronuclear avalia a possibilidade de usar o saldo contratual da Andrade Gutierrez, estimado em R$ 500 milhões, para finalizar a construção da cúpula da usina e de outros prédios operacionais.

Em valores atualizados para setembro deste ano, o custo direto total de Angra 3, segundo a estatal, é de R$17,1 bilhões. Até o momento, já foram gastos cerca de R$5,3 bilhões.

A empreiteira Andrade Gutierrez é a responsável pelas obras civis de Angra 3 desde 1983, no governo Figueiredo (1979-1985). Contatada pela reportagem para explicar as demissões, a Andrade Gutierrez disse, via assessoria de imprensa, que não comenta o assunto.

VICTOR PAROLIN fez o 1º Programa de Treinamento em Fotojornalismo e Vídeo da Folha, patrocinado por Friboi, Odebrecht e Philip Morris Brasil.


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