Folha de S. Paulo


Futebol está presente na literatura e nas artes plásticas brasileiras

A Fifa lançou, no mês passado, uma coleção que reúne obras de 23 artistas reproduzidas em pôsteres alusivos à Copa do Mundo. A Edição de Arte Impressa Oficial da Copa do Mundo da Fifa Brasil 2014 conta com obras de 11 artistas brasileiros. O futebol é tema nas artes pelo menos desde o início do século passado. Já nas prateleiras das livrarias e bibliotecas, o futebol aparece em crônicas, contos, romances, ensaios fotográficos, livros de história e de sociologia.

O artista plástico Francisco Rodrigues, 30, conhecido como Nunca, conta que pintava as ruas do bairro em que cresceu, em São Paulo, quando era criança, em época de Copa do Mundo. "Foi uma das minhas primeiras atividades relacionando arte e futebol", diz o artista que está entre os brasileiros na Edição de Arte Impressa da Fifa, com a obra "O Drible".

Daniel Senise, 58, que também faz parte do grupo de artistas, conta que pensou sua obra para o projeto da Fifa como "uma coisa circular com aspecto de expansão, com fragmentos que se agregam. É uma maneira muito abstrata de ver como funciona o futebol na sociedade brasileira".

Para Lisbeth Rebollo Gonçalves, presidente da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA), o futebol interessa às artes plásticas como tema e devoção. Segundo ela, nos anos 30, com a profissionalização do futebol, o esporte começa a fazer parte de uma expressão brasileira no sentido lúdico, como o Carnaval e o samba. "O projeto modernista põe o foco sobre a cultura brasileira e suas raízes. A bola é um elemento simbólico importante e a ideia de jogo vai entrar em toda sociedade brasileira."

Em 1966, José Roberto Aguilar, 72, realizou uma série de três quadros chamada "Série do Futebol", em que ironizava a desclassificação precoce da seleção canarinho na Copa do Mundo daquele ano. Para ele, o futebol é uma ilha do irracional em que o racional não entra. "É o universo da emoção, o futebol é o inesperado. Sempre tem um craque que faz algo fora do normal, fora das regras, como o Nijinski dançando." O artista prepara uma série de obras que usam as camisas de clubes brasileiros como material. "De vez em quando o tema do futebol me cutuca, é um dos que me entusiasmam."

Divulgação
"Futebol" (1936), de Francisco Rebolo Gonsales (São Paulo, SP, 1902 - 1980), óleo sobre tela, 87 x 64,2cm, Col. Antonio Hermann Azevedo, SP.

Frequentemente ilustrado na imprensa, o esporte aparece também em quadrinhos, charges e caricaturas, como as de Pelé, Garrincha e outros jogadores feitas nos anos 50 e 60 por Miécio Caffé (1920-2003). "Esses artistas são apaixonados pelo futebol e apoiam as conquistas brasileiras", afirma Gonçalves.

"Dez na Área, Um na Banheira e Ninguém no Gol" reúne 11 histórias que buscam retratar diversos aspectos do futebol, escritas por alguns dos mais reconhecidos quadrinhistas dessa atual geração. Autores como os gêmeos Gabriel Bá e Fábio Moon --ganhadores de um Eisner, principal prêmio de HQs do mundo, e que escrevem a "Quase Nada", tirinha publicada aos sábados na Folha--, Caco Galhardo e Allan Sieber.

"Naquela época, por incrível que pareça, se via pouca coisa sobre futebol, especialmente em quadrinhos", diz Orlando Pedroso, organizador da obra. "Foi muito legal. De uma certa forma, eu acho que esse era um tipo de álbum que podia ser feito uma vez por ano."

Ele diz que correu risco ao convidar os autores, já que deu total liberdade para que eles falassem sobre o que quisessem, desde que dentro do tema futebol. Para ele, o esporte é um assunto muito rico. "Havia o perigo de ter algum tema repetido e isso não aconteceu, o que mostra a sua riqueza."

As crônicas esportivas dos irmãos Mário Filho e Nelson Rodrigues inauguraram o gênero no país. Os contos de "Brás, Bexiga e Barra Funda", de Alcântara Machado, mostram como era a paixão dos paulistanos pelo esporte nos anos 20.

O historiador e professor da USP Hilário Franco Júnior diz que o futebol explica a sociedade brasileira. O autor de "A Dança dos Deuses", de 2007, conta que chegava cedo aos estádios em dias de jogos para observar a torcida. "Percebi que aquilo que nós vemos no campo pode ser usado para explicar o comportamento brasileiro e que poderia explorar o futebol em diversas esferas, como a sociológica, política, cultural e econômica."

Também usando o futebol, um britânico escreveu a respeito do Brasil. Em "Futebol - O Brasil em Campo" (Futebol - The Brazilian Way of Life), de 2002, o jornalista do "The Guardian", Alex Bellos, mistura história, anedotas e mitos para contar como o esporte bretão chegou ao país e se tornou a paixão nacional do brasileiro. "Percebi que não há nada sobre o Brasil que eu não poderia escrever sob a lente do futebol. A paixão do inglês, do argentino é a mesma, mas o futebol faz parte da identidade do brasileiro."

*

Este texto faz parte do especial "Brasil - Terra do Futebol", projeto final da 55ª turma do Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha, que tem patrocínio da Odebrecht, da Philip Morris e da Ambev


Endereço da página:

Links no texto: