Folha de S. Paulo


Entre aulas e oficinas, internos da Fundação Casa disputam vagas em campeonato externo

Diego* se encosta em um muro e se senta para poder ver a partida de futebol. Acompanha os dribles dos colegas com as mãos em cima dos olhos para se proteger do sol forte. "Eles estão nervosão, né? Tem que ficar tranquilo, levar o jogo e botar moral", diz, com tom de voz de quem tem experiência.

Entre uma aula de geografia e outra, costuma jogar com os colegas no intervalo. Diz que é um bom jogador e que é preciso "malandragem" para jogar bem. Gosta do português Cristiano Ronaldo, do argentino Lionel Messi e do brasileiro Luis Fabiano --apesar de achar que ele "só joga quando quer".

Em um determinado momento, a bola sai de campo e bate no pé de Diego. Ele ri. "A bola segue o mestre, né?".

O menino é um dos 9.100 jovens paulistas internados em unidades da Fundação Casa (antiga Febem) em todo o Estado. São crianças e adolescentes cumprindo diferentes medidas socioeducativas por tráfico e roubo, entre outros atos infracionais.

Aproveitando o interesse pelo esporte, a Fundação Casa organiza campeonatos todos os anos -- sendo que o principal e mais disputado é o de futebol de campo, feito nos primeiros meses do ano. Os jovens competem entre si para conseguir uma vaga nos times das unidades e depois jogam com suas equipes até chegar à final -- feita neste ano em Campinas, antes de um jogo entre Ponte Preta e Palmeiras pelo Campeonato Paulista.

Diego, cumprindo pena por roubo, diz que tentou se classificar pela sua unidade, a João do Pulo, na zona norte de São Paulo, mas acabou fora do campeonato. "Só tinha gente ruim. Só eu salvava", diz.

Seu professor de educação física, Altamir Luiz, 30, ministra "a matéria preferida pelos detentos" --que têm grade de aulas semelhante a de um colégio, onde Luiz também já trabalhou. "É um ou outro interno que não gosta de educação física, não foge de como é na escola."

O palmeirense Tiago*, 16, que cumpre pena por sequestro na João do Pulo, concorda com o professor quanto à preferência da matéria. "Ficar aqui é ruim, não tem nada pra fazer. Só o futebol salva."

Joel Silva - 15.mai.2013/Folhapress
Internos da Fundação Casa jogam futebol e assistem palestra do ex-jogador Zé Maria, tricampeão do mundo em 1970
Internos da Fundação Casa jogam futebol e assistem palestra do ex-jogador Zé Maria, tricampeão do mundo em 1970

MEDALHA DE OURO

Cerca de 700 jovens infratores participam do campeonato de futebol de campo, que tem 11 divisões regionais. As unidades fazem parcerias para conseguir realizar os jogos em campos de futebol. Nos jogos de âmbito estadual, o campeonato é feito com a Federação Paulista de Futebol -- que disponibiliza preliminares antes dos jogos do Campeonato Paulista.

Um dos responsáveis pela prática de esportes na Fundação Casa é Zé Maria, que foi campeão do mundo pela seleção brasileira de 1970. "Fico aborrecido de ver essa molecada assim. É uma pena, pois essa idade é a melhor que tem, de 15, 16 anos. A gente vê no esporte uma luz."

A equipe vencedora deste ano foi a de Iaras, cidade do interior paulista. Os meninos venceram a equipe do Arujá por 3 a 1 e receberam as medalhas de primeiro lugar das mãos de integrantes da federação. Além disso, levaram prêmios por "goleiro menos vazado" e "artilheiro" do campeonato.

O analista técnico e professor de educação física da unidade vencedora, Joberti de Camargo, 38, disse que o interesse dos jovens em participar foi geral. "Como os jogos são feitos fora da fundação, é uma oportunidade de sair, e isso muda a visão de vida deles."

Renato* foi o atleta do time que, por sua habilidade, mais chamou a atenção do professor. Jogador de meio campo, o corintiano contou que "a oportunidade de jogar em um campo profissional, antes do jogo entre Ponte Preta e Palmeiras, foi uma experiência única".

Quando sair da fundação, Renato encara a possibilidade de prestar vestibular para educação física. "Pretendo sair daqui e correr atrás do meu sonho [ser jogador de futebol], mas sei que as dificuldades são muitas", diz.

*Nomes fictícios

*

Este texto faz parte do especial "Brasil - Terra do Futebol", projeto final da 55ª turma do Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha, que tem patrocínio da Odebrecht, da Philip Morris e da Ambev


Endereço da página: