Folha de S. Paulo


Apesar de televisão e internet, rádio segue no cotidiano dos torcedores brasileiros

"Vem Leônidas, que puxa, e entra... de bicicleta! Goool, de bicicleta! O-boonde, o bonde de 200 contos, fez um gol de bicicleta! Leônidas empatou a peleja, em bi-ci-cle-ta!".

Foi desta forma que o radialista Geraldo José de Almeida, em 1942, narrou a plástica e então praticamente desconhecida jogada de Leônidas da Silva, o Diamante Negro, que no mesmo ano havia sido contratado pelo São Paulo Futebol Clube pela vultuosa quantia de "200 contos" (algo em torno de R$ 190 mil).

O gol, marcado no clássico contra o Palmeiras, concedeu empate à equipe são-paulina, da qual Geraldo José, que narrou seis Copas do Mundo e morreu em 1976, era torcedor fanático e confesso.

A primeira partida de futebol a ser televisionada só aconteceria dali a 13 anos (um Santos contra Palmeiras, na Vila Belmiro), e como a televisão se manteve por muito tempo como um caríssimo artigo de luxo, o rádio ainda reinou por décadas como principal fonte de informação do brasileiro no que dizia respeito ao futebol.

Ainda hoje, em tempos de internet, TV digital e smartphones, torcedores em pleno estádio podem ser vistos com radinhos próximos ao ouvido, como se precisassem ter suas impressões confirmadas pelo locutor --que paradoxalmente usa da subjetividade e da paixão para contar a partida.

Para se ter uma ideia, só na capital paulista cerca de 400 mil pessoas ligam seus rádios para acompanhar jogos de futebol aos domingos, de acordo com a medição feita pelo IBOPE entre os meses de novembro de 2012 e janeiro de 2013.

"O rádio foi fundamental na construção da ideia que o brasileiro tem do futebol", diz Willy Gonser, 76, o narrador "mais completo do Brasil", como é conhecido por muitos de seus pares radialistas.

Os trabalhos de Gonser no rádio começaram em 1953, e desde então ele esteve em 11 Copas do Mundo, um recorde entre os radialistas brasileiros. Cobriu também diversos campeonatos brasileiros e viajou a dezenas de países acompanhando o Atlético-MG, clube cujos jogos narrou durante 30 anos e do qual é torcedor declarado. "A emoção é o mais importante. Defendo a tese de que o narrador, antes de tudo, é um torcedor."

OFÍCIO DE LOCUTOR

Em 19 de julho de 1931, Nicolau Tuma --apelidado "speaker metralhadora", por causa da alta velocidade com que proferia palavras--, narrou a goleada de 6 a 4 da seleção paulista de futebol ante a seleção paranaense, naquela que é considerada a primeira partida de futebol transmitida ao vivo pelo rádio.

Desde então, cabe ao radialista narrar para pessoas como Ricardo Braga os detalhes de uma partida de futebol. Braga, mineiro de 42 anos e torcedor do América-MG, reconhece a "maravilha que é a cobertura da televisão", o que não o faz abrir mão do rádio. "Nas raras vezes que assisto a um jogo sem o rádio ligado, acesso mais tarde o site da rádio para ouvir a narração dos gols. É como ver o vídeo do replay", conta. "No rádio, até 0 a 0 é emocionante."

Mas só emoção não basta. "É preciso capacidade vocal, muito fôlego e clareza na pronúncia das palavras", diz Gonser.

Quanto aos bordões, artifício usado por tantos locutores, Gonser opina que eles "empobrecem" a narração. "Você veja o Pedro Luiz [que participou da cobertura de 12 Copas, seis delas como locutor, morto em 1998], o maior narrador que o Brasil já teve. Ele nunca se repetia, não tinha bordões. Dominava o português como poucos, tinha um vocabulário maravilhoso."

Outra prática que desagrada Gonser é o "off tube", quando o locutor narra o jogo sem estar no estádio. "Eles se postam na frente da TV e mandam brasa. Fica ridículo e é perceptível. Um desserviço para o rádio, para a televisão e, sobretudo, para o expectador", diz.

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Este texto faz parte do especial "Brasil - Terra do Futebol", projeto final da 55ª turma do Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha, que tem patrocínio da Odebrecht, da Philip Morris e da Ambev


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