Folha de S. Paulo


Torcidas resistem apesar de insucesso de clubes

No país onde os torcedores desejam ver seus times vencedores da Libertadores, do Brasileirão e dos estaduais, algumas torcidas têm sobrevivido apesar dos resultados futebolísticos pouco animadores de seus clubes. A falta de sucesso nos campos, muitas vezes, serve de incentivo para o fanatismo.

Um dos casos mais conhecidos é o Clube Atléticos Juventus, localizado na Mooca, bairro de imigrantes italianos na capital paulista. Em 2013, o time comemora os 30 anos de sua maior conquista, a Taça de Prata, o que, em 1983, era o equivalente da 2ª divisão do campeonato brasileiro. Em 2014, o Juventus disputará a terceira divisão do Paulista.

O time, que hoje nem sequer disputa a segunda divisão do campeonato estadual, entretanto, tem uma base de seguidores fanáticos. O clube, que sempre atraiu simpatizantes, sendo conhecido como "o primeiro de muitos, o segundo de todos", atualmente tem ganhado torcedores exclusivamente juventinos. Muitas pessoas de outros bairros, e até mesmo de outras cidades, têm passado a seguir o Juventus, integrando a torcida conhecida como "Setor 2".

Henrique dos Santos Dias, filho de um santista simpatizante do Juventus e um dos organizadores do grupo, conta que a iniciativa começou em 2001, na época com o nome de "Ju-Metal", por reunir torcedores do Juventus fãs de heavy metal. A motivação para torcer exclusivamente para um clube sem muito sucesso nos campos é dar resposta "à crescente mercantilização do futebol, que também existe aqui, mas em menor grau", diz. Segundo ele, é um fenômeno novo "existirem pessoas que só torcem para o Juventus, para os mais velhos sempre foi um segundo time".

O romantismo dos integrantes do Setor 2 possivelmente enfrentará obstáculos. A atual diretoria do clube pretende reformar o tradicional estádio localizado na rua Javari. Segundo Dias, um dos principais aspectos em acompanhar o Juventus é a possibilidade de "participar ativamente" dos jogos. "Se a gente berra, o jogador consegue escutar, e muitas vezes segue nosso palpite." O comportamento dos torcedores no estádio é um dos diferenciais em relação aos times de maior expressão. Por causa do tamanho da torcida, a ida aos jogos significa reencontrar velhos conhecidos. A construção de uma arena significaria o fim dessa relação. A torcida, entretanto, acredita ser díficil o projeto sair do papel.

INTERIOR

A Associação Atlética Ponte Preta, de Campinas, interior de São Paulo, é outro exemplo de equipe que tem uma torcida apaixonada, apesar dos resultados do clube. Time mais antigo do Estado, fundado em 1900, nunca logrou o mesmo êxito em campo como os clubes da capital. A maior conquista nacional foi o vice-campeonato da segunda divisão do Brasileirão, em 1997.

Segundo Eduardo Freitas, torcedor da Ponte, o time tem poucos "torcedores mistos". Na cidade trata-se de um fator "hereditário". O estádio do clube foi construído com a ajuda dos torcedores. O avô de Freitas foi um dos que cooperaram na empreitada. Hoje, a Macaca, como também é conhecido o time, tem a quinta maior torcida do Estado, com cerca de 800 mil seguidores, perdendo apenas para os da capital: os "quatro grandes", juntos, tem cerca de 58 milhões de torcedores, 26 milhões apenas do Corinthians.

A oposição aos times da capital, admite Eduardo, reforça a identidade com o clube campineiro. É um processo que se repete com as equipes da região Nordeste. Os times de Pernambuco, por exemplo, também surgiram antes dos grandes paulistas, em 1905, nunca conseguiram a mesma expressividade dos clubes do Sudeste, mas sempre tiveram uma torcida apaixonada.

Daniel Hazin, torcedor do Náutico, time pernambucano da primeira divisão do Brasileiro, afirma que "o futebol é uma paixão unilateral, que não requer, necessariamente, retorno vitorioso para que essa paixão não esmoreça. Claro que a relação parental é o que mais fortalece essa paixão. Filho de pai fanático, fanático será". Segundo ele, apesar dos resultados, "o que se vê é uma torcida bastante jovem, que espera sempre, sempre ansiosa, a conquista dos títulos".

Sergio Alves, torcedor do Santa Cruz, outro time de Pernambuco e que disputa a terceira divisão do Brasileiro, afirma que a diferenciação regional é um fator de fortalecimento das torcidas locais. "O fato de ser nordestino, talvez exista mesmo esse tal orgulho regional", diz.

O insucesso nos campos, segundo Hazim, também é um fator de unidade. "Tem torcida que se fortalece com o jejum de títulos, isso, inclusive, acontece com o Náutico", afirma. As torcidas do Náutico e do Santa Cruz têm, cada uma, cerca de 1 milhão de torcedores, sendo a deste último ligeiramente maior.

A tese de Hazim parece se confirmar ao longo da história do futebol. O Corinthians, que disputa com o Flamengo a condição de time com maior torcida do país, viu seu número de torcedores crescer exponencialmente justo em um momento de fracasso nos campos.

De 1961 a 1977 o clube não ganhou nenhum Campeonato Brasileiro ou Paulista, mas foi no período de ausência de títulos que a torcida mais cresceu. Quando o clube disputou a segunda divisão do Campeonato Brasileiro, em 2008, o time apresentou a maior média de público em estádios, levando-se em consideração até mesmo a primeira divisão.

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Este texto faz parte do especial "Brasil - Terra do Futebol", projeto final da 55ª turma do Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha, que tem patrocínio da Odebrecht, da Philip Morris e da Ambev


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