Folha de S. Paulo


Quando Corinthians e rock and roll dão samba na criação de campanhas

Era um garoto que mandava uma banana para o "pop pelúcia" da banda inglesa The Smiths e sacudia a cabeça ao rock de Van Halen e Kiss, grupos de origem norte-americana, que pareciam melhor retratar o que corria nas veias de um adolescente paulistano naqueles ecléticos anos 1980.

Entre os estudos e as aulinhas de guitarra, somavam-se ao seu currículo cinco expulsões de colégios. Era encrenqueiro que só, mas o jovem era um rebelde... com causa.

Gabriel Cabral/Folhapress
O publicitário Luiz
O publicitário Luiz Sanchez, 43, sócio-diretor geral de criação da Almap/BBDO, dono de 104 Leões

Criado no Brooklin, na Vila Olímpia e em Moema (zona sul de São Paulo), o menino tentava entender o abalo que o sacolejou dos trilhos. Aos dez anos, Luiz assistiu a uma exposição no Clube Paineiras, no Morumbi. Indicou para os pais, que planejavam comemorar o Dia dos Namorados por lá. A mãe de Luiz, porém, não chegou a se sentar à mesa para celebrar a data ao lado do marido. O pai do rapaz, desenhista publicitário, sofreu um infarto fulminante.

Do dia para a noite, a família, depois de perder o casarão com cinco carros e motorista, foi viver num apê alugado. O jovem andava meio sem rumo até um amigo de longa data tentar apaziguar a sua revolta diante de tantas vicissitudes.

Sugeriu que Luiz seguisse os mesmos passos do pai e encarasse um curso de desenho. Aos 15 anos, a vida começou a lhe traçar novos cenários: Luiz também estudou publicidade e propaganda, trabalhou em jornal de bairro e, em 1992, fez sua estreia na DM9DDB.

De lá, seguiu os passos de seu ídolo, o também publicitário Marcello Serpa, e partiu para a AlmapBBDO.

O roqueiro, que continua nutrindo admiração pelas mesmas bandas dos tempos da juventude, além do metal dos Dream Theater, e sendo corintiano fanático (com o perdão da redundância), tornou-se diretor-geral de criação e, no ano passado, chegou a sócio da agência. Entre uma tarefa e outra, ele explica o que significa publicidade e criação, na sua visão.

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Quais são as realidades que a publicidade enfrenta?
No mundo todo, a publicidade teve que se reinventar por causa dos novos canais de comunicação. Passamos por um período de transição em que a gente não sabia qual o papel que as marcas iam ter dentro desses canais, mas a realidade continua sendo uma só: o quanto a publicidade consegue ser relevante. Hoje, numa campanha, a ideia é mais importante que o formato.

Existem maneiras mais revolucionárias de interagir hoje com o consumidor?
Ainda continua sendo com uma boa ideia.

A publicidade está amarrada a formatos ultrapassados? Você a considera repetitiva e pasteurizada?
Não acho. Há três ou quatro anos, isso seria uma realidade. Hoje, não acredito. Vejo que o Brasil é muito relevante no cenário mundial, usando outros formatos de maneira bem inovadora. Não existe nada mais moderno do que contar uma história. Em qual formato ela esteja, não faz diferença. O que as pessoas querem mesmo é ouvir, ver uma boa história.

Existe uma propaganda no mundo que o inspira?
Quando comecei, era aquela produzida nos EUA e na Inglaterra. Hoje, não vejo a boa propaganda sendo criada num lugar específico do planeta. O Brasil, por exemplo, é um país inspirador. Nos EUA, o percentual de coisas excelentes é proporcional ao do Brasil. Não tem um lugar. Até porque, está todo o mundo muito misturado. Não tem mais uma cara, uma identidade. Essas barreiras já caíram.

Que campanha brasileira você adoraria ter feito recentemente?
A campanha "Retratos da Real Beleza", de Dove [da Ogilvy Brasil]. Uma das clássicas que admiro é a do umbigo, criada em 1993 pelo Marcello Serpa, hoje sócio e co-presidente do "board" da AlmapBBDO, para o Guaraná Diet, da Antarctica.

O que ajuda a definir um boa campanha?
Repito: de uma boa ideia, que seja relevante e pertinente.

A propaganda deve contribuir para a produção e o consumo conscientes?
Isso não cabe somente à propaganda, cujo principal papel ainda é o de criar e fortalecer marcas. Botar isso na conta das agências seria injusto.

Qual sua melhor campanha?
A dos cachorros:"Ele pode parecer com você, mas não tem de comer a mesma comida", criada para a ração Cesar.

E a pior?
Xiii! Tem um monte [risos].

Qual é a sua principal fonte de inspiração?
Ver o trabalho bom de alguém me inspira a fazer um trabalho melhor.

As redes sociais já começaram a mudar o jeito de fazer propaganda...
Sim, já começaram, mas existem dois lados. O positivo é aquele voltado para o engajamento dos usuários. Mesmo com comentários negativos, qualquer marca quer criar fãs. Pelo negativo, essas ferramentas trouxeram à tona os chamados profissionais da crítica. Aqueles que criticam por criticar. Devido a essa exposição, clientes e agências ficaram com o pé atrás, com receio de ter um rebote pela frente. Acho ruim, mas é um processo novo que ainda requer amadurecimento.

Qual é a relação dos brasileiros com as marcas?
Não há dúvida de que a propaganda ajuda a estreitar a relação de fidelidade do brasileiro com as marcas. Pouco se vê em outros lugares do mundo essa relação que o brasileiro mantém com a propaganda. Ela é papo de fim de semana, de mesa de bar.

Com a ascensão das classes C e D, a propaganda teve que buscar uma nova linguagem para incluir esse consumidor no mercado?
Essas classes têm acesso basicamente aos mesmos tipos de informação que as outras. Por exemplo, a C assiste às mesmas séries de TV e às produções cinematográficas que a A ou B, portanto elas se tornaram mais exigentes em relação à produção publicitária. Não existe mais campanhas exclusivas para classes C e D ou A e B. A propaganda atual abrange todas as classes, e a produção precisa estar mais próxima dessa realidade. Até porque hoje um filme publicitário que passa na TV não é mais restrito a um determinado horário. Ele vai estar também na internet, ao alcance de todos e a qualquer horário.

Qual é a receita para uma boa propaganda?
Se você tiver uma, me manda [risos].

O rock o ajuda na criação?
Não só o rock, música ajuda muito, só que mais na confecção do que na criação.

A campanha do cachorro-peixe, para o Space Fox, é uma das mais marcantes e premiadas da publicidade brasileira. Como surgiu a ideia de criar esse bicho híbrido, "meio esquisito", como diz o próprio filme?
Por causa do espaço interno do carro, a ideia do filme era mostrar que cabe o que você bem imaginar dentro dele. Nossa intenção ali era unir a parte física à lúdica. E, assim, vender o diferencial do carro. Quatro profissionais da agência estiveram envolvidos no processo de criação. Antes de chegarmos ao cachorro-peixe, tivemos um monte de híbridos, mas só levamos esse para mostrar para o pessoal da Volkswagen. A gente sempre se divertiu muito fazendo essa campanha. Tinha um funcionário da Almap que era a cara do cachorro-peixe [risos].

Em boa parte, essa campanha também colaborou para o "revival" em torno da canção "Stand by Me", clássico de Ben E. King, gravada por uma enxurrada de artistas mundo afora, inclusive John Lennon.
Esse filme tinha várias trilhas. Conseguimos o direito da faixa e tivemos que regravar por aqui aos 45 minutos do segundo tempo. O professor de violão do Dulcidio Caldeira [ex-diretor de criação que hoje se dedica à carreira de diretor de filmes e comerciais] foi quem gravou. Todos os envolvidos adoram rock, música em geral.

Se hoje tivesse seus 20 e poucos anos, o que você faria da vida? Optaria novamente pela publicidade?
Se eu não fosse aceito para jogar no Corinthians... com certeza seria publicitário.


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