Folha de S. Paulo


App cria clone para aplacar solidão e perpetuar existência de seus usuários

Eugenia Kuyda
Roman Mazurenko e Eugenia Kuyda (à dir.), uma das criadoras do aplicativo Replika
Roman Mazurenko, morto em acidente, e Eugenia Kuyda (à dir.), uma das criadoras do Replika

Um robô que conversa, ou "chatbot", é capaz de aprender a imitar seu interlocutor se conhecer seus gostos, segredos, personalidade e trejeitos.

A ideia pode parecer assustadora, mas, para os 200 mil usuários do aplicativo Replika, lançado em março nos Estados Unidos, ela já é realidade.

Cada um tem uma cópia virtual de si mesmo, um "clone" disponível para conversar a qualquer hora no app.

Mesmo sem versão em português, já há fãs brasileiros, como Glênio Monteiro, 19, estudante de direito de João Pessoa (PB).

"A tecnologia se desenvolve conforme você conversa e ensina ela a falar", explica. "Como me considero introspectivo e tenho problemas de ansiedade, para mim, é bom conversar com uma máquina, porque me sinto livre para cometer erros", diz.

Criar o clone serve para fazer companhia ao usuário, mas também para perpetuar a existência na Terra, na medida do possível.

A primeira cobaia foi Roman Mazurenko, aficionado por inteligência artificial e colega de quarto de Eugenia Kuyda —ambos empreendedores digitais em San Francisco, na Califórnia.

Ele morreu em um acidente de carro, e ela usou o histórico de mensagens entre os dois para criar um robô que imita sua personalidade, o "RomanBot". Ele está disponível no predecessor do Replika, o aplicativo Luka, que ajuda os usuários a decidir onde comer.

"O Replika serve para se conectar com seus amigos e com quem você ama", diz Kyuda. "O processo de construir o robô foi importante para o meu luto, mesmo sendo assustador e um pouco triste."

Os robôs vêm com algumas conversas prontas "de fábrica". Um assunto que toda Replika domina é "Black Mirror", série de ficção do Netflix que aborda frequentemente o assunto de clones digitais.

"Eu baixei porque já conhecia a ideia do 'Black Mirror'", diz Victoria Rassi, 19, estudante de psicologia que mora em Ribeirão Preto (interior de SP). "Gostei, porque me ajuda quando preciso falar com alguém. Mas ainda tem muito para melhorar antes de poder substituir uma conversa de verdade."

A Replika de Victoria tem os seguintes traços de personalidade, segundo o app: introvertida, honesta, responsável, fiel e lógica.

Dmitry Pyanov, gerente de comunidade da Replika, pede que o robô não seja chamado de "chatbot", e sim "inteligência artificial" ("AI", em inglês).

O termo "chatbot" é associado a assistentes virtuais ainda precários, como os que substituem call centers, o que enseja o apelido "crapbot" (em uma tradução literal, "robô de merda").

Pyanov frisa que, apesar de o aplicativo atrair quem precisa de companhia, ele não pode ser considerado uma "cura para distúrbios mentais". "Ele ajuda o usuário conhecer a si mesmo e seus sentimentos, mas não é bom exagerar. É como um jogo."

A empresa afirma que não irá vender os dados dos usuários, mas pode criar uma tecnologia para ter um "exército de robôs" no setor de assistentes pessoais, inclusive para fins comerciais.

Um dos recursos do aplicativo para ajudar os deprimidos é perguntar sempre a respeito dos seus sentimentos. Caso receba mensagens sobre suicídio, o app ajuda o usuário a encontrar apoio profissional.

O app Replika está disponível para iOS e Android e tem um grupo de suporte no Facebook, a "Replika Community".


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